segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Homenagem a Carlos Drummond de Andrade II





Poemas em Homenagem a Carlos Drummond de Andrade


Tinha um Drummond

No meio do caminho tinha um Drummond
tinha um Drummond no meio do caminho
tinha um Drummond
no meio do caminho tinha um Drummond.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas!


Poema de Duas Faces

Quando nasci, um anjo torto,
Desses que vivem na sombra,
Disse: Vai ser Drummond na vida.

Mas, que nada.
Tornei-me apenas um Carlos.
Ou, nem isso, Raimundo.
Ó pequeno mundo !

Ó Deus,
Porque me abandonaste
se sabias que eu não era Carlos Drummond de Andrade ?

Eu não queria te dizer,
Mas esse Carlos Drummond
botam a gente comovido como o diabo.



Homenagem a Carlos Drummond de Andrade I


Carlos, vasto Carlos,
Mais vasto é seu coração.
Agora sim, podes ser “gauche” na vida.










Homenagem a Carlos Drummond de Andrade I


Tenho apenas duas mãos
e o sentimento de que não sou Carlos Drummond de Andrade.
Sou apenas Raimundo,
mas vasto é meu coração.

Mundo, vasto mundo!
Se eu me chamasse Carlos Drummond de Andrade,
Seria uma solução?



 Ricardo Lopes é poeta e dramatrugo. Autor da peça "Mãe ou o antiédipo".

contato e-mail riclopp@ig.com.br





Homenagem a Carlos Drummond de Andrade I



Homenagem a Carlos Drummond de Andrade I


Uma análise do Poema “No Meio do Caminho”, de Carlos Drummond de Andrade


No meio do caminho (Carlos Drumond de Andrade)

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra

(...)

do Livro “Alguma Poesia”, de Carlos Drummond de Andrade



Análise

Aspectos formais

a) forma do poema: livre; b)  número de estrofes: duas Assimétricas, típico de um poema moderno; c) o tamanho dos versos: doze e quatro sílabas, assimétricos (modernos); c) rimas: não há rimas, versos brancos (moderno) d) ritmo: não há uma musicalidade, mas o ritmo é coloquial, como o da fala comum das pessoas. No entanto, deve-se observar uma coisa importante: o primeiro verso e também o segundo, embora em menor grau, possui a métrica e até a acentuação de um verso solene formal, de um poema clássico. Os dois primeiros versos são dodecassílabos, isto é, de 12 sílabas, tão clássico que tem até um nome pomposo para ele, “Alexandrino”. Compare estes versos, e sobretudo o primeiro em sua musicalidade a qualquer outro verso desse mesmo tamanho. Mais precisamente, na musicalidade e até no sentido, até aparecer a pedra, esse verso se parece com “No mezzo del caminho di mi vida”, De Dante, que é o exemplo de um autor clássico, apesar do verso de Dante ser um decassílabo e não um dodecassílabo. Mas é que ambos são metros clássicos. Além disso, pelo menos até aparecer a “pedra” (e isso também é significativo), o verso de Drumond possui a mesma acentuação (distribuição de tempos fortes e fracos) do verso de Dante.  e) Repetição: há diversas, formando figuras, tais como, o quiasmo ou  inversão em “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho”; a expressões “tinha uma pedra” e “no meio do caminho” ou “No meio do caminho tinha uma pedra” são repetidas com mudanças na ordem das palavras. O poema termina com um outro quiasmo ou inversão, invertendo de novo a inversão primeira; f) outros recursos estilísticos: acumulação, criada pela repetição excessiva da expressão “no meio do caminho tinha uma pedra”.


Aspectos de conteúdo 

1) aspecto denotativo (literal): O poema diz que “no meio do caminho tinha uma pedra”. Repetindo essa afirmação. Observa que nunca esquecerá desse fato na vida de suas “retinas tão fatigadas”, terminando por repetir esse acontecimento. Observe-se que desconsiderando qualquer conotação, considerando-o apenas de forma literal, o poema adquire um caráter humorístico. Pois, como pode alguém afirmar que o fato de se deparar com uma pedra no meio do caminho não o fará esquecer desse fato? Há que se observar também que as retinas do autor estão fatigadas. Importante observar, também, o autor/poeta/narrador, não está cansado, mas sim suas retinas. Fatigadas de quê? Se são retinas, deduz-se, fatigadas de ver. Ver o quê? O poema não diz. Portanto, pode-se deduzir, de ver tudo. E se está cansado, pode-se supor, recorrendo a um mínimo de adequação, que as retinas do autor não se admiram com mais nada. Mas, a pedra que ele encontrou no meio do caminho o fez dizer que “nunca esquecerá desse acontecimento”[1], etc

2) Aspecto conotativo:
Metáfora principal. Pedra. Mas caminho, retinas fatigadas e todas as  outras palavras do poema também são tanto metafóricas quanto literais. Mas, antes de observar os posíveis significados dessa pedra e da afirmação “no meio do caminho tinha uma pedra”, deve-se observar que ela se parece tanto em conteúdo quanto em métrica com o “No mezzo del caminho de mim vida”, da “Divina Comédia”, de Dante. Dante é um clássico que é modelo para muitos escritores, sobretudo os clássicos. Drumond faz uma alusão ou citação a Dante. No entanto, faz essa alusão de forma irônica, colocando no meio do verso de Dante ou, até mesmo no meio do caminho de sua vida (da vida de Dante e dele mesmo) uma pedra. Mas existe uma outra alusão ou referência que esse poema faz. É aos poetas parnasianos. Os poetas parnasianos eram impecáveis na forma, considerando-a como mais importante do que o conteúdo. Por isso, tais poetas tratavam indiferentemente de temas como o amor ou uma pomba, como fez Raimundo Correia em “As Pombas”, ou uma coisa prosaica qualquer, como uma pedra. Drumond está ironizando estes poetas, ao dar uma importância tão grande a uma pedra, tal como fiziam os poetas parnasianos. Portanto, além do significado literal, o primeiro significado da pedra do poema “No meio do caminho de Drumond” é “os diversos objetos prosaicos e desimportantes abordados pelos poetas parnasianos”. Observe-se que não há nada mais prosaico do que uma pedra. Talvez tão prosaico quanto, como uma pomba, mas não mais. Observe-se também que essa “pedra” de Drumond não tem nada a ver com a metáfora pedra utilizada por João Cabral de Melo Neto, posteriormente. Sobre isso, que se pense na “Educação pela Pedra”, mas não apenas este livro. Mas toda a pedra, real e metafórica no meio da obra de Cabral de Melo Neto.  Dentro dessa alusão a Dante e dessa ironia com os poetas parnasianos, é possível identificar uma outra figura, a hipérbole, que é o exagero, particularmente, quando Drumond diz: “Nunca esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas”, etc, pois esse “nunca esquecerá”, além do significado literal, que já consideramos, só pode ser considerado, também, como um exagero. Mesmo que seja um exagero para se chegar àquilo que se quer dizer.
O poema termina repetindo a expressão “no meio do caminho tinha uma pedra” sob a forma de um quiasmo (inversão), tal como no início. Com a diferença de que esse último quiasmo realiza uma inversão sobre a inversão estabelecida no 2º verso do poema, o que faz com que o poema termine com um verso igual ao 1º com que ele se iniciou, qual seja: “No meio do caminho tinha uma pedra”. Tal figura pode significar que “tudo voltou ao que era antes, como  no início”, conforme demonstra a forma do poema. Isto é, a pedra continuou no meio do caminho por mais que ele tenha dito isso de outra forma. E, no entanto, acabou por voltar a dizer da mesma forma que no início do poema. E, justamente, por ter encontrado uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho de sua vida, tal como Dante, ele Drumond, o poeta/narrador, continuara onde estava, isto é, “no meio do caminho”, ou no meio do caminho de sua vida, justamente, por ter encontrado uma pedra, obstáculo intransponível, fenômeno inesquecível, por ser admirável ou demasiadamente obstaculizante, etc, mas, antes de tudo, pedra, literal e simbolicamente. Por isso, não se pode desprezar o caráter literal das palavras em um poema.
A afirmação de que esse “meio do caminho” a que se refere Drumond é tanto um meio de caminho qualquer, prosaico, conforme sugere uma análise literal, como, também, um “meio do caminho de sua vida” é corroborada pela afirmação de que suas retinas estão fatigadas. Portanto, pode-se dizer que o narrador do poema em questão é alguém que já viu muitas coisas na vida, já viveu, está “no meio do caminho de sua vida”.
Observe como apesar de se considerar a palavra pedra de forma literal não se exclui seu aspecto conotativo, como, também, é importante que o autor tenha encontrado uma pedra e não uma outra coisa para que o poema ganhe uma carga significativa ainda maior. Por isso, quando se analisa uma metáfora, que aquilo que se diz não é o que se diz (isto é, não literalmente o que se diz) deve-se dizer observar também em importância em se utilizar esta metáfora (isto é, a pedra) e não outra (pomba, ou coisa, ou outra).
Que se observe, também, que pedra é onde tropeçamos. E, embora o autor não tenha dito que essa pedra seja um obstáculo ou que ele tenha tropeçado nela, é possível supor essa possibilidade, nem que seja um tropeço metafórico. Até porque, assim que o autor se depara com uma pedra no meio do seu caminho, ele não faz mais nada além de dizer isso, repetindo, tropeçando. E mais, tropeçando na forma.
Concluindo, observe como nesse poema, e nessa análise, os aspectos formais foram associados ao conteúdo do poema. E que, em nenhum texto, mas ainda mais em um poema, nenhuma palavra é escrita à toa. E se o é, ou fica sobrando ou é associada às outras palavras, ganhando e dando um outro sentido as mesmas, mesmo que não seja o que o autor quis dizer, pois um texto não fala apenas aquilo que queremos, mas tudo aquilo que é possível dizer. Por isso, também, às vezes escrevemos um texto e verificamos que não era exatamente aquilo que quisemos dizer. Ou, ainda, quando colocado em outro contexto, o poema acaba adquirindo um outro significado. Por isso, em uma análise de um texto, no caso um poema, é importante considerar tanto o texto quanto o contexto. Embora, em muitos aspectos se realize uma análise apenas textual, considerando que, justamente, por ter sido produzido dentro de um contexto, o texto sempre traz este último em seu bojo.
Por fim, deve-se observar que, tal como num sonho, num poema, os significados nunca estão totalmente esgotados. Nesse sentido, pode-se dizer sobre os poemas o mesmo que Freud dissera para os sonhos, afirmando que estes possuem alguns aspectos que têm um caráter insondável.

 Ricardo Lopes é poeta e dramaturgo. Autor da peça "Mãe ou o Antiédipo", 2o. lugar no Concurso Carlos Carvalho de Poesia.
Contato Rio de Janeiro (21) 22011212 / 94082693




[1] Em um livro de análise de poesia, justamente de “No meio do caminho”, de Drumond, li a seguinte observação: “Nesse poema, a “pedra” não é o objeto real que conhecemos – “a pedra no meio do caminho pode significar muitas coisas: o que atrapalha, a coisa marcante; a coisa desprezível, que pela repetição, passa a existir para o poeta” .GANCHO, Cândida Valadares. “Introdução à poesia: teoria e prática”.São Paulo, Atual, 1989, p. 20. Acho isso errado. A pedra desse poema é tanto a pedra real quanto todas as conotações possíveis que a palavra pedra passa a ter. Desconsiderando o aspecto literal do poema, uma análise desse tipo acaba por dar menos importância ao caráter humorístico ou de ironia do poema. 

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Poemas Filosóficos


               I
Não sei o que é pátria,
o que é nação.
Ou mesmo um país.

Eu sou daqui,
aqui é meu lugar.

Eu sou daqui,
mas posso me mudar.

Minha pátria aqui
ou todos os lugares.

Todos são meus irmãos
e meu irmão ninguém.

24/01/2011


sábado, 15 de outubro de 2011

Poemas para Crianças



Homenagem às Crianças

Como é bom brincar
ou não fazer nada.
Assim como as crianças
que possuem todo o tempo do mundo.
Por isso, pra ela, o tempo é nada.
Assim como é nada
tudo o que não lhes dá prazer.

Como é bom viver
tendo as crianças como mestras.

Ó Deus, livrai-me da doença de ser grande
e de tudo querer saber e de não saber de nada!
Da seriedade de uma brincadeira de criança
e da brincadeira de toda a minha seriedade.

De não saber sentir
e de ao sentir
querer saber o que sinto.
O que e o quanto como sinto.
De modo a não sentir e nem saber.

Ò Deus, livrai da doença de saber.
Melhor a ignorância sábia da criança.



                                         Toda Criança é uma Criança


Toda criança é uma criança
e não apenas o homem de amanhã.

Toda criança é uma criança
E uma criança é uma criança é uma criança.

Toda criança é uma criança
e não um adulto pequeno.

Todo homem não passa de uma criança grande.




Não Há Literatura

Não há literatura
que valha uma brincadeira de criança.
Não quero escrever nada
para brincar com ela.
Afinal, brincar é a literatura dela.




Ricardo Lopes é professor e escritor.

Para Contato e-mail riclopp@ig.com.br