sábado, 16 de abril de 2011

Para Escrever Poesia (leitura e escrita de poemas)

PARA ESCREVER POESIA
Ricardo Lopes

Este blog tem como objetivo a publicação de poesias e de dicas para quem deseja ler e escrever poesias




Quisera eu escrever tão claro que,
quando eu escrevesse rosa, lesses rosa.
E, ao leres, lesse e visse o viço e
ouvisse o soar do cor-de-rosa.
Como se colorisse a rosa escrita
e gritasse a palavra colorida.

Só assim a escrita rosa será rosa,
como uma coisa é uma coisa é uma coisa.
E a palavra palavra, em verso e rosa,
qual Deus é Deus. Deus é o que é e
uma rosa é uma rosa é uma rosa.


Para se ler uma poesia
procure observar os seguintes aspectos:


1) Aspectos formais

a) a forma do poema, se soneto, se quadra, se poema longo ou curto; observe como determinadas formas são mais tradicionais, formais, solenes (soneto, oitava rima, que é a forma dos versos, inclusive a distribuição das rimas, do “Lusíadas”, de Camões), outras mais modernas, despojadas (verso livre, sem métrica regular) ; umas mais populares, fáceis de dizer (quadras com versos de 5 ou sete sílabas, que são as chammadas redondilhas), outras mais difíceis (versos irregulares ou de doze sílabas ou mais); e como esta forma tem a ver com o conteúdo.

b) o número de estrofes
Lembre-se que em um poema, uma mudança de estrofe equivale, analogicamente, a uma mudança de parágrafo em texto em prosa.

c) o número de versos das estrofes. Se elas são simétricas ou assimétricas; lembre-se que um verso equivale a uma mudança de ritmo e, em alguns casos, de oração ou de uma frase. No entanto, isso deve ser combinado com a pontuação. Sobre isso, que se observe que há poemas em que o autor não coloca nenhuma pontuação, ou, às vezes, muito pouca, além de, muitas vezes, iniciar os versos, independente de iniciarem ou não uma frase com uma letra maiúscula.

d) o tamanho dos versos, quantas sílabas possui, se simétricos ou não; Medir o número de sílabas de um verso é um pouco diferente da medição de sílabas de suas palavras. Na medição do número de sílabas de um verso, deve-se parar na última sílaba tônica.
e) ritmo: verificar a acentuação (tempos fortes e fracos) que, em alguns casos, pode variar de acordo com a forma como se lê o verso; se há uma musicalidade (por exemplo, se os versos parecem “cantar” ou soar uma melodia, mesmo sem música), se se parece com a fala das pessoas ou o contrário, se é mais “solene”;

f) as rimas, se há ou não; se são simétricas ou não, se rimam só no final do verso ou se há rimas internas, isto é, no meio do verso, seja com o meio de outro verso ou no interior do mesmo.

g) se há repetição de palavras e que forma, por exemplo: se há uma simetria na repetição ou, se há uma acumulação, ou seja, uma repetição que se realiza diversas vezes.

h) outros recursos estilísticos, relativos à construção da frase ou som (que não alteram o sentido das palavras) entre os principais: aliteração (repetição de sons consonontais: “Pedro, pedreiro, penseiro, esperando”); quiasmo (repetição com inversão): No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho”; acumulação, é a repetição de uma ou muitas palavras, expressões, etc, em grande quantidade; ex: “No meio do caminho” de Drumond e, sobretudo, “Poema Brasileiro” de Ferreira Gullar. Veja como nestes poemas, as mesmas palavras adquirem outro sentido na medida em que são repetidas e muito repetidas. Ganham no mínimo uma ênfase, mas não apenas isso; enumeração enumeração caótica


Obs: a análise desses aspectos formais só tem validade quando associados ao conteúdo do poema, isto é, àquilo que ele diz, significa.


2) Aspectos de conteúdo
Em relação ao “conteúdo de uma poesia”, você deve observar os aspectos abaixo

a) o significado literal (denotativo) das palavras. Ler o poema de forma literal; isso é importante porque, sempre que há uma metáfora, como comumente ocorre em um poema, esta não suplanta totalmente o sentido literal. Ao contrário, assimila-o junto com o significado metafórico. Além disso, deve-se observar que, muitas vezes, a leitura literal de um poema que é metafórico, pode lhe dar um caráter inusitado, compondo uma outra figura, com um sentido “non sense” ou humorístico. Por fim, mesmo considerando o caráter metafórico do termo em questão, deve-se obsersar, apersar das palavras em questão não siginificarem o que significam literalmente, é importante que a metafóra em questão tenha sido realizado com tal termo e não como outro. Por exemplo: para dizer que uma mulher é bela, uma coisa é que ela é “bela como uma flor”, ou que ela é uma flor, ao invés de como, já outra é dizer que ela é bela como uma manhã, etc., ou , ainda, “quase tão bela quanto a revolução cuba”, como disse Ferreira Gullar em um de seus poemas.

b) a presença de analogia ou a metáfora principal do poema em questão. Por ex: em “No meio do caminho”, de Drumond, a pedra em questão, além de uma pedra literal, é uma metáfora, mas do quê? Nesse caso, o poema tenderá a ser melhor quanto maior for o número de significados que essa metáfora-chave e que as outras metáforas que o poema possa ter.

Observação: lembre-se da diferença entre Metáfora e analogia. Analogia é uma comparação explícita que diz uma coisa é como outra. Já a metáfora não é uma comparação. ela afirma que é.
Uma forma poética de se diferenciar metáfora de analogia é que tentei fazer em um poema que não possui título, mas que bem que poderia se chamar “Da diferença entre a Metáfora e a Analogia”.


Quando te digo que és flor e não que és bela,
qual uma flor bela ou o que flor,
é porque quero dizer que és flor qual aquela,
como uma flor é uma flor é uma flor
e não como flor, como flor com flor.
Porque és e não como, como és.
Uma flor, és uma flor, és uma flor.
3) Observar os desdobramentos da metáfora principal e de outras metáforas. Por exemplo: .

4) Considerando metáfora principal e outras metáforas, observar a coesão entre as palavras do poema;

5) observar outras figuras de sentido: antítese (duas palavras com sentido oposto); oximoro: duas palavras com sentido oposto numa única expressão, hipérbole: exagero, eufemismo: atenuação:, ironia diz uma coisa por meio de outra com um certo humor e crítica. Que se observe que todas estas figuras alteram o sentido das palavras. Portanto, são conotativas.



Análise de Poemas.
1º Poema: No meio do caminho (Carlos Drumond de Andrade)

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra

etc.

como não estou autorizado a reproduzir um texto de um outro autor, citei apenas os primeiros versos do poema acima. Para que quiser se lembrar, recorra ao google, ou a um livro do Drummond de Andrade. Este poema está no primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade que é o “Alguma Poesia”.



Leitura

1) Aspectos formais

a) forma do poema: livre; b) número de estrofes: duas Assimétricas, típico de um poema moderno; c) o tamanho dos versos: doze e quatro sílabas, assimétricos (modernos); c) rimas: quase não, a não ser da palavra pedra com ela mesma; o resto são versos brancos (sem rima) d) ritmo: quase não há uma musicalidade, o ritmo é coloquial, como o da fala comum das pessoas. No entanto, deve-se observar uma coisa importante: o primeiro verso e também o segundo, embora em menor grau, possui a métrica e até a acentuação de um verso solene formal, de um poema clássico. Os dois primeiros versos são dodecassílabos, isto é, de 12 sílabas, tão clássico que tem até um nome pomposo para ele, “Alexandrino”. Compare estes versos, e sobretudo o primeiro em sua musicalidade a qualquer outro verso desse mesmo tamanho. Mais precisamente, na musicalidade e até no sentido, até aparecer a pedra, esse verso se parece com “No mezzo del caminho di mi vida”, De Dante, que é o exemplo de um autor clássico, apesar do verso de Dante ser um decassílabo e não um dodecassílabo. Mas é que ambos são metros clássicos. Além disso, pelo menos até aparecer a “pedra” (e isso também é significativo), o verso de Drumond possui a mesma acentuação (distribuição de tempos fortes e fracos) do verso de Dante. e) Repetição: há diversas, formando figuras, tais como, o quiasmo ou inversão em “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho”; a expressões “tinha uma pedra” e “no meio do caminho” ou “No meio do caminho tinha uma pedra” são repetidas com mudanças na ordem das palavras. O poema termina com um outro quiasmo ou inversão, invertendo de novo a inversão primeira; f) outros recursos estilísticos: acumulação, criada pela repetição excessiva da expressão “no meio do caminho tinha uma pedra”.

2) Aspectos de conteúdo (relacionados aos aspectos formais)

1) aspecto denotativo (literal): O poema diz que “no meio do caminho tinha uma pedra”. Repetindo essa afirmação. Observa que nunca esquecerá desse fato na vida de suas “retinas tão fatigadas”, terminando por repetir esse acontecimento. Observe-se que desconsiderando qualquer conotação, considerando-o apenas de forma literal, o poema adquire um caráter humorístico. Pois, como pode alguém afirmar que o fato de se deparar com uma pedra no meio do caminho não o fará esquecer desse fato? Há que se observar também que as retinas do autor estão fatigadas. Importante observar, também, o autor/poeta/narrador, não está cansado, mas sim suas retinas. Fatigadas de quê? Se são retinas, deduz-se, fatigadas de ver. Ver o quê? O poema não diz. Portanto, pode-se deduzir, de ver tudo. E se está cansado, pode-se supor, recorrendo a um mínimo de adequação, que as retinas do autor não se admiram com mais nada. Mas, a pedra que ele encontrou no meio do caminho o fez dizer que “nunca esquecerá desse acontecimento”, etc.

Em um livro de análise de poesia, justamente de “No meio do caminho”, de Drumond, li a seguinte observação:


“Nesse poema, a “pedra” não é o objeto real que conhecemos – “a pedra no meio do caminho pode significar muitas coisas: o que atrapalha, a coisa marcante; a coisa desprezível, que pela repetição, passa a existir para o poeta” .GANCHO, Cândida Valadares. “Introdução à poesia: teoria e prática”.São Paulo, Atual, 1989, p. 20.


Acho isso errado. A pedra desse poema é tanto a pedra real quanto todas as conotações possíveis que a palavra pedra passa a ter. Desconsiderando o aspecto literal do poema, uma análise desse tipo acaba por dar menos importância ao caráter humorístico ou de ironia do poema.


2) Aspecto conotativo:
Metáfora principal. Pedra. Mas caminho, retinas fatigadas e todas as outras palavras do poema também são tanto metafóricas (embora não tamto quanto a metáfora principal) quanto literais.
Mas, antes de observar os posíveis significados dessa pedra e da afirmação “no meio do caminho tinha uma pedra”, deve-se observar que ela se parece tanto em conteúdo quanto em métrica com o “No mezzo del caminho de mim vida”, da “Divina Comédia”, de Dante. Dante é um clássico que é modelo para muitos escritores, sobretudo os clássicos. Drumond faz uma alusão ou citação a Dante. No entanto, faz essa alusão de forma irônica, colocando no meio do verso de Dante ou, até mesmo no meio do caminho de sua vida (da vida de Dante e dele mesmo, Drummond) uma pedra.
Existe uma outra alusão ou referência que esse poema faz. É aos poetas parnasianos. Os poetas parnasianos eram impecáveis na forma, considerando-a como mais importante do que o conteúdo. Por isso, tais poetas tratavam indiferentemente de temas como o amor ou uma pomba, como fez Raimundo Correia em “As Pombas”, ou uma coisa prosaica qualquer, como uma pedra.
Drumond está ironizando estes poetas, ao dar uma importância tão grande a uma pedra, tal como fiziam os poetas parnasianos. Portanto, além do significado literal, o primeiro significado da pedra do poema “No meio do caminho de Drumond” é “os diversos objetos prosaicos e desimportantes abordados pelos poetas parnasianos”.
Observe-se que não há nada mais prosaico do que uma pedra. Talvez tão prosaico quanto, como uma pomba, mas não mais. Outra coisa: essa “pedra” de Drumond não tem nada a ver com a metáfora pedra utilizada por João Cabral de Melo Neto, posteriormente. Sobre isso, que se pense na “Educação pela Pedra”, mas não apenas este livro. Mas toda a pedra, real e metafórica no meio da obra de Cabral de Melo Neto.
Dentro dessa alusão a Dante e dessa ironia com os poetas parnasianos, é possível identificar uma outra figura, a hipérbole, que é o exagero, particularmente, quando Drumond diz: “Nunca esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas”, etc, pois esse “nunca esquecerá”, além do significado literal, que já consideramos, só pode ser considerado, também, como um exagero. Mesmo que seja um exagero para se chegar àquilo que se quer dizer.
O poema termina repetindo a expressão “no meio do caminho tinha uma pedra” sob a forma de um quiasmo (inversão), tal como no início. Com a diferença de que esse último quiasmo realiza uma inversão sobre a inversão estabelecida no 2º verso do poema, o que faz com que o poema termine com um verso igual ao 1º com que ele se iniciou, qual seja: “No meio do caminho tinha uma pedra”. Tal figura pode significar que “tudo voltou ao que era antes, como no início”, conforme demonstra a forma do poema. Isto é, a pedra continuou no meio do caminho por mais que ele tenha dito isso de outra forma. E, no entanto, acabou por voltar a dizer da mesma forma que no início do poema. E, justamente, por ter encontrado uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho de sua vida, tal como Dante, ele Drumond, o poeta/narrador, continuara onde estava, isto é, “no meio do caminho”, ou no meio do caminho de sua vida, justamente, por ter encontrado uma pedra, obstáculo intransponível, fenômeno inesquecível, por ser admirável ou demasiadamente obstaculizante, etc, mas, antes de tudo, pedra, literal e simbolicamente. Por isso, não se pode desprezar o caráter literal das palavras em um poema.
A afirmação de que esse “meio do caminho” a que se refere Drumond é tanto um meio de caminho qualquer, prosaico, conforme sugere uma análise literal, como, também, um “meio do caminho de sua vida” é corroborada pela afirmação de que suas retinas estão fatigadas. Portanto, pode-se dizer que o narrador do poema em questão é alguém que já viu muitas coisas na vida, já viveu, está “no meio do caminho de sua vida”.
Observe como apesar de se considerar a palavra pedra de forma literal não se exclui seu aspecto conotativo, como, também, é importante que o autor tenha encontrado uma pedra e não uma outra coisa para que o poema ganhe uma carga significativa ainda maior. Por isso, quando se analisa uma metáfora, que aquilo que se diz não é o que se diz (isto é, não literalmente o que se diz) deve-se dizer observar também em importância em se utilizar esta metáfora (isto é, a pedra) e não outra (pomba, ou coisa, ou outra).
Que se observe, também, que pedra é onde tropeçamos. E, embora o autor não tenha dito que essa pedra seja um obstáculo ou que ele tenha tropeçado nela, é possível supor essa possibilidade, nem que seja um tropeço metafórico. Até porque, assim que o autor se depara com uma pedra no meio do seu caminho, ele não faz mais nada além de dizer isso, repetindo, tropeçando. E mais, tropeçando na forma.
Concluindo, observe como nesse poema, e nessa análise, os aspectos formais foram associados ao conteúdo do poema. E que, em nenhum texto, mas ainda mais em um poema, nenhuma palavra é escrita à toa. E se o é, ou fica sobrando ou é associada às outras palavras, ganhando e dando um outro sentido as mesmas, mesmo que não seja o que o autor quis dizer, pois um texto não fala apenas aquilo que queremos, mas tudo aquilo que é possível dizer. Por isso, também, às vezes escrevemos um texto e verificamos que não era exatamente aquilo que quisemos dizer. Ou, ainda, quando colocado em outro contexto, o poema acaba adquirindo um outro significado. Por isso, em uma análise de um texto, no caso um poema, é importante considerar tanto o texto quanto o contexto. Embora, em muitos aspectos se realize uma análise apenas textual, considerando que, justamente, por ter sido produzido dentro de um contexto, o texto sempre traz este último em seu bojo.
Por fim, deve-se observar que, tal como num sonho, num poema, os significados nunca estão totalmente esgotados. Nesse sentido, pode-se dizer sobre os poemas o mesmo que Freud dissera para os sonhos, afirmando que estes possuem alguns aspectos que têm um caráter insondável.

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