segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Homenagem a Carlos Drummond de Andrade II





Poemas em Homenagem a Carlos Drummond de Andrade


Tinha um Drummond

No meio do caminho tinha um Drummond
tinha um Drummond no meio do caminho
tinha um Drummond
no meio do caminho tinha um Drummond.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas!


Poema de Duas Faces

Quando nasci, um anjo torto,
Desses que vivem na sombra,
Disse: Vai ser Drummond na vida.

Mas, que nada.
Tornei-me apenas um Carlos.
Ou, nem isso, Raimundo.
Ó pequeno mundo !

Ó Deus,
Porque me abandonaste
se sabias que eu não era Carlos Drummond de Andrade ?

Eu não queria te dizer,
Mas esse Carlos Drummond
botam a gente comovido como o diabo.



Homenagem a Carlos Drummond de Andrade I


Carlos, vasto Carlos,
Mais vasto é seu coração.
Agora sim, podes ser “gauche” na vida.










Homenagem a Carlos Drummond de Andrade I


Tenho apenas duas mãos
e o sentimento de que não sou Carlos Drummond de Andrade.
Sou apenas Raimundo,
mas vasto é meu coração.

Mundo, vasto mundo!
Se eu me chamasse Carlos Drummond de Andrade,
Seria uma solução?



 Ricardo Lopes é poeta e dramatrugo. Autor da peça "Mãe ou o antiédipo".

contato e-mail riclopp@ig.com.br





Homenagem a Carlos Drummond de Andrade I



Homenagem a Carlos Drummond de Andrade I


Uma análise do Poema “No Meio do Caminho”, de Carlos Drummond de Andrade


No meio do caminho (Carlos Drumond de Andrade)

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra

(...)

do Livro “Alguma Poesia”, de Carlos Drummond de Andrade



Análise

Aspectos formais

a) forma do poema: livre; b)  número de estrofes: duas Assimétricas, típico de um poema moderno; c) o tamanho dos versos: doze e quatro sílabas, assimétricos (modernos); c) rimas: não há rimas, versos brancos (moderno) d) ritmo: não há uma musicalidade, mas o ritmo é coloquial, como o da fala comum das pessoas. No entanto, deve-se observar uma coisa importante: o primeiro verso e também o segundo, embora em menor grau, possui a métrica e até a acentuação de um verso solene formal, de um poema clássico. Os dois primeiros versos são dodecassílabos, isto é, de 12 sílabas, tão clássico que tem até um nome pomposo para ele, “Alexandrino”. Compare estes versos, e sobretudo o primeiro em sua musicalidade a qualquer outro verso desse mesmo tamanho. Mais precisamente, na musicalidade e até no sentido, até aparecer a pedra, esse verso se parece com “No mezzo del caminho di mi vida”, De Dante, que é o exemplo de um autor clássico, apesar do verso de Dante ser um decassílabo e não um dodecassílabo. Mas é que ambos são metros clássicos. Além disso, pelo menos até aparecer a “pedra” (e isso também é significativo), o verso de Drumond possui a mesma acentuação (distribuição de tempos fortes e fracos) do verso de Dante.  e) Repetição: há diversas, formando figuras, tais como, o quiasmo ou  inversão em “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho”; a expressões “tinha uma pedra” e “no meio do caminho” ou “No meio do caminho tinha uma pedra” são repetidas com mudanças na ordem das palavras. O poema termina com um outro quiasmo ou inversão, invertendo de novo a inversão primeira; f) outros recursos estilísticos: acumulação, criada pela repetição excessiva da expressão “no meio do caminho tinha uma pedra”.


Aspectos de conteúdo 

1) aspecto denotativo (literal): O poema diz que “no meio do caminho tinha uma pedra”. Repetindo essa afirmação. Observa que nunca esquecerá desse fato na vida de suas “retinas tão fatigadas”, terminando por repetir esse acontecimento. Observe-se que desconsiderando qualquer conotação, considerando-o apenas de forma literal, o poema adquire um caráter humorístico. Pois, como pode alguém afirmar que o fato de se deparar com uma pedra no meio do caminho não o fará esquecer desse fato? Há que se observar também que as retinas do autor estão fatigadas. Importante observar, também, o autor/poeta/narrador, não está cansado, mas sim suas retinas. Fatigadas de quê? Se são retinas, deduz-se, fatigadas de ver. Ver o quê? O poema não diz. Portanto, pode-se deduzir, de ver tudo. E se está cansado, pode-se supor, recorrendo a um mínimo de adequação, que as retinas do autor não se admiram com mais nada. Mas, a pedra que ele encontrou no meio do caminho o fez dizer que “nunca esquecerá desse acontecimento”[1], etc

2) Aspecto conotativo:
Metáfora principal. Pedra. Mas caminho, retinas fatigadas e todas as  outras palavras do poema também são tanto metafóricas quanto literais. Mas, antes de observar os posíveis significados dessa pedra e da afirmação “no meio do caminho tinha uma pedra”, deve-se observar que ela se parece tanto em conteúdo quanto em métrica com o “No mezzo del caminho de mim vida”, da “Divina Comédia”, de Dante. Dante é um clássico que é modelo para muitos escritores, sobretudo os clássicos. Drumond faz uma alusão ou citação a Dante. No entanto, faz essa alusão de forma irônica, colocando no meio do verso de Dante ou, até mesmo no meio do caminho de sua vida (da vida de Dante e dele mesmo) uma pedra. Mas existe uma outra alusão ou referência que esse poema faz. É aos poetas parnasianos. Os poetas parnasianos eram impecáveis na forma, considerando-a como mais importante do que o conteúdo. Por isso, tais poetas tratavam indiferentemente de temas como o amor ou uma pomba, como fez Raimundo Correia em “As Pombas”, ou uma coisa prosaica qualquer, como uma pedra. Drumond está ironizando estes poetas, ao dar uma importância tão grande a uma pedra, tal como fiziam os poetas parnasianos. Portanto, além do significado literal, o primeiro significado da pedra do poema “No meio do caminho de Drumond” é “os diversos objetos prosaicos e desimportantes abordados pelos poetas parnasianos”. Observe-se que não há nada mais prosaico do que uma pedra. Talvez tão prosaico quanto, como uma pomba, mas não mais. Observe-se também que essa “pedra” de Drumond não tem nada a ver com a metáfora pedra utilizada por João Cabral de Melo Neto, posteriormente. Sobre isso, que se pense na “Educação pela Pedra”, mas não apenas este livro. Mas toda a pedra, real e metafórica no meio da obra de Cabral de Melo Neto.  Dentro dessa alusão a Dante e dessa ironia com os poetas parnasianos, é possível identificar uma outra figura, a hipérbole, que é o exagero, particularmente, quando Drumond diz: “Nunca esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas”, etc, pois esse “nunca esquecerá”, além do significado literal, que já consideramos, só pode ser considerado, também, como um exagero. Mesmo que seja um exagero para se chegar àquilo que se quer dizer.
O poema termina repetindo a expressão “no meio do caminho tinha uma pedra” sob a forma de um quiasmo (inversão), tal como no início. Com a diferença de que esse último quiasmo realiza uma inversão sobre a inversão estabelecida no 2º verso do poema, o que faz com que o poema termine com um verso igual ao 1º com que ele se iniciou, qual seja: “No meio do caminho tinha uma pedra”. Tal figura pode significar que “tudo voltou ao que era antes, como  no início”, conforme demonstra a forma do poema. Isto é, a pedra continuou no meio do caminho por mais que ele tenha dito isso de outra forma. E, no entanto, acabou por voltar a dizer da mesma forma que no início do poema. E, justamente, por ter encontrado uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho de sua vida, tal como Dante, ele Drumond, o poeta/narrador, continuara onde estava, isto é, “no meio do caminho”, ou no meio do caminho de sua vida, justamente, por ter encontrado uma pedra, obstáculo intransponível, fenômeno inesquecível, por ser admirável ou demasiadamente obstaculizante, etc, mas, antes de tudo, pedra, literal e simbolicamente. Por isso, não se pode desprezar o caráter literal das palavras em um poema.
A afirmação de que esse “meio do caminho” a que se refere Drumond é tanto um meio de caminho qualquer, prosaico, conforme sugere uma análise literal, como, também, um “meio do caminho de sua vida” é corroborada pela afirmação de que suas retinas estão fatigadas. Portanto, pode-se dizer que o narrador do poema em questão é alguém que já viu muitas coisas na vida, já viveu, está “no meio do caminho de sua vida”.
Observe como apesar de se considerar a palavra pedra de forma literal não se exclui seu aspecto conotativo, como, também, é importante que o autor tenha encontrado uma pedra e não uma outra coisa para que o poema ganhe uma carga significativa ainda maior. Por isso, quando se analisa uma metáfora, que aquilo que se diz não é o que se diz (isto é, não literalmente o que se diz) deve-se dizer observar também em importância em se utilizar esta metáfora (isto é, a pedra) e não outra (pomba, ou coisa, ou outra).
Que se observe, também, que pedra é onde tropeçamos. E, embora o autor não tenha dito que essa pedra seja um obstáculo ou que ele tenha tropeçado nela, é possível supor essa possibilidade, nem que seja um tropeço metafórico. Até porque, assim que o autor se depara com uma pedra no meio do seu caminho, ele não faz mais nada além de dizer isso, repetindo, tropeçando. E mais, tropeçando na forma.
Concluindo, observe como nesse poema, e nessa análise, os aspectos formais foram associados ao conteúdo do poema. E que, em nenhum texto, mas ainda mais em um poema, nenhuma palavra é escrita à toa. E se o é, ou fica sobrando ou é associada às outras palavras, ganhando e dando um outro sentido as mesmas, mesmo que não seja o que o autor quis dizer, pois um texto não fala apenas aquilo que queremos, mas tudo aquilo que é possível dizer. Por isso, também, às vezes escrevemos um texto e verificamos que não era exatamente aquilo que quisemos dizer. Ou, ainda, quando colocado em outro contexto, o poema acaba adquirindo um outro significado. Por isso, em uma análise de um texto, no caso um poema, é importante considerar tanto o texto quanto o contexto. Embora, em muitos aspectos se realize uma análise apenas textual, considerando que, justamente, por ter sido produzido dentro de um contexto, o texto sempre traz este último em seu bojo.
Por fim, deve-se observar que, tal como num sonho, num poema, os significados nunca estão totalmente esgotados. Nesse sentido, pode-se dizer sobre os poemas o mesmo que Freud dissera para os sonhos, afirmando que estes possuem alguns aspectos que têm um caráter insondável.

 Ricardo Lopes é poeta e dramaturgo. Autor da peça "Mãe ou o Antiédipo", 2o. lugar no Concurso Carlos Carvalho de Poesia.
Contato Rio de Janeiro (21) 22011212 / 94082693




[1] Em um livro de análise de poesia, justamente de “No meio do caminho”, de Drumond, li a seguinte observação: “Nesse poema, a “pedra” não é o objeto real que conhecemos – “a pedra no meio do caminho pode significar muitas coisas: o que atrapalha, a coisa marcante; a coisa desprezível, que pela repetição, passa a existir para o poeta” .GANCHO, Cândida Valadares. “Introdução à poesia: teoria e prática”.São Paulo, Atual, 1989, p. 20. Acho isso errado. A pedra desse poema é tanto a pedra real quanto todas as conotações possíveis que a palavra pedra passa a ter. Desconsiderando o aspecto literal do poema, uma análise desse tipo acaba por dar menos importância ao caráter humorístico ou de ironia do poema. 

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Poemas Filosóficos


               I
Não sei o que é pátria,
o que é nação.
Ou mesmo um país.

Eu sou daqui,
aqui é meu lugar.

Eu sou daqui,
mas posso me mudar.

Minha pátria aqui
ou todos os lugares.

Todos são meus irmãos
e meu irmão ninguém.

24/01/2011


sábado, 15 de outubro de 2011

Poemas para Crianças



Homenagem às Crianças

Como é bom brincar
ou não fazer nada.
Assim como as crianças
que possuem todo o tempo do mundo.
Por isso, pra ela, o tempo é nada.
Assim como é nada
tudo o que não lhes dá prazer.

Como é bom viver
tendo as crianças como mestras.

Ó Deus, livrai-me da doença de ser grande
e de tudo querer saber e de não saber de nada!
Da seriedade de uma brincadeira de criança
e da brincadeira de toda a minha seriedade.

De não saber sentir
e de ao sentir
querer saber o que sinto.
O que e o quanto como sinto.
De modo a não sentir e nem saber.

Ò Deus, livrai da doença de saber.
Melhor a ignorância sábia da criança.



                                         Toda Criança é uma Criança


Toda criança é uma criança
e não apenas o homem de amanhã.

Toda criança é uma criança
E uma criança é uma criança é uma criança.

Toda criança é uma criança
e não um adulto pequeno.

Todo homem não passa de uma criança grande.




Não Há Literatura

Não há literatura
que valha uma brincadeira de criança.
Não quero escrever nada
para brincar com ela.
Afinal, brincar é a literatura dela.




Ricardo Lopes é professor e escritor.

Para Contato e-mail riclopp@ig.com.br

sexta-feira, 22 de julho de 2011

SONS/Rimas

Além de significar, as palavras de um poema também soam. E, já que soam, de preferência, devem soar “bonito”. Além disso, é bom que o efeito sonoro também se relacione com aquilo que o poema quer dizer (ou duz, independente de querer), com aquilo que as palavras significam.

Existe uma série de efeitos sonoros que podem ser apresentados em um poema. Entre os os quais, poderíamos citar a aliteração, a assonância, a onomatopéia, entre outros. No entanto, o mais conhecido e mais comum efeito sonoro de um poema é a rima, a tal pontos, que, popularmente, às vezes, rima é considerado como um sinônimo de poema.

É, justamente, sobre a rima realizaremos algumas observações nesta respectiva postagem.


Rima

Chama-se rima a repetição de sons semelhantes ou no final de dois versos ou no meio de um mesmo verso ou de dois versos diferentes.

Exemplo de rima:

“Minha terra tem palmeiras,
onde canta o sabiá.
As aves que aqui gorjeiam
não gorjeiam como lá”

“Canção do Exílio” de Gonçalves Dias


As rimas podem ser consoantes, quando as vogais e consoantes das palavras rimadas se assemelham, como nos versos “Ah que saudades que eu tenho/da Aurora da minha vida/da minha infância querida/que os anos não trazem mais”, de Casimiro de Abreu, ou soantes, quando a vogal tônica da palavra se assemelha a de outra, como no como no exemplo do poema “A Canção do Exílio”.

As rimas também podem ser alternadas, como poema citado acima, de Casimiro de Abreu, emparelhadas, (ex: “Quebrar o brinquedo/uma forma de saber o seu segredo”, do poema “Quebar o Brinquedo”, de Ricardo Lopes), interpoladas ou misturadas (ex: Nas nossas ruas, ao anoitecer/Há tal soturnidade, há tal melancolia/Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia/Despertam-me um desejo absurdo de sofrer” “O Sentimento de um Ocidental”, de Cesário Verde), de acordo com a distribuição das mesmas.

De acordo com a categoria gramatical da palavra rimada, a rima pode ser “pobre” (de igual categoria) ou “rica” (de categoria diferente).

Ex: “Nasce o sol e não dura mais que um dia/depois da luz se segue a noite escura/Em tristes sombras morre a formosura/Em contínuas tristezas, a alegria” (“A Instabilidade das Coisas do Mundo” de Grregório de Matos) (dia e alegria, rima pobre/ escura e formosura, rima rica).

De acordo com o acento tônico podem ser agudas, formadas por palavras oxítonas (ex: “Minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá/As aves que aqui gorjeiam/Não gorjeiam como lá”, Gonçalves Dias), graves, formadas por palavras paroxítonas ou esdrúxulas, formadas por palavras proparoxítonas (ex: “Amou daquela vez como se fosse a última/beijou sua mulher como se fosse a única”, “Construção”, Chico Buarque).

Podem também ser internas (no meio do verso) ou externas (no final do verso).

Rima não é sinônimo de poema. Por isso, para se fazer um poema, não basta e nem se necessita de rimar. O mais importante é combinar os sons das rimas de modo a fazer “soar bonito” o poema, combinando a sonoridade do mesmo com aquilo que ele diz.


Ricardo Lopes é professor e escritor de poemas e peças teatrais. É autor da peça “Mãe ou o antiédipo”, premiada em 2º lugar no Concurso Carlos Carvalho de Dramaturgia, em 2001, da Prefeitura de Porto Alegre.

Para entrar em contato e-mail riclopp@ig.com.br telefones (Rio de Janeiro)

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domingo, 26 de junho de 2011

Ritmo (parte II)

Um dos primeiros elementos do ritmo de um poema é o número de sílabas do verso, chamado de metro.

Contam-se as sílabas de um verso igual a das palavras, só que terminando na última sílaba tônica, mesmo que haja outras sílabas depois desta.

Por exemplo, o verso “No meio do caminho tinha uma pedra” tem 12 sílabas. Já os versos

Rua
torta

Lua
morta

do poema “Serenata Sintética”, de Cassiano Ricardo, possuem uma sílaba.

Além do número de sílabas, é possível identificar sílabas fortes e fracas em um verso.

Os versos

“Tu ontem
na dansa
que cansa.
Voavas
Co´as faces”, etc.

do poema “A Valsa”, de Casimiro de Abreu possuem dois versos com uma sílaba forte no segundo verso. Devido a isso, diz-se que a estrutura rítimica destes versos é E.R 2 (2).

Já o verso

“As armas e o Barões assinalados”

de “Os Lusíadas”, de Camões possui uma estrutura ritmica E 10 (2,6, 10).

O importante em relação ao tamanho e à acentuação dos versos é observar como eles empresatam um ar solene, como é o caso dos decassílabos (versos de dez sílabas), ou uma forma mais comum à fala,como são dos hectassílabos (versos de sete sílabas) ou redondilha maior. Como outros dão uma musicalidade maior ou menor, de acordo com o tema que se aborda, entre outros aspectos.

Já observamos em postagem anterior o quanto o verso “No meio do camuinho tinha uma pedra” é semelhante, nas palavras usadas (excluindo a pedra) e no ritmo, a “Em mezzo del caminho de mi vida”, de Dante, da Divina Comédia, fazendo, desse modo, uma alusão a este. Alusão esta que, no entanto, é irônica, na medida em que o verso de Dante, que é solene e clássico, é interrompido pela pedra de Drummond de Andrade.
Já no verso

“Café com pão,
manteiga não”,

O ritmo do poema imita o ritmo do trem ao qual o mesmo faz alusão.

Exercício n.1
Procure ler diversos poemas, identificando a estrutura ritmica dos mesmos, observando o quanto esta está relacionada ao que o poema diz em termos verbais.

Exercício n.2
Procure escrever um poema onde o aspecto ritmico seja tão ou mais enfatizado do que o próprio aspecto verbal.

Ricardo Lopes é professor e escritor de poemas e peças teatrais. É autor da peça “Mãe ou o antiédipo”, premiada em 2º lugar no Concurso Carlos Carvalho de Dramaturgia, em 2001, da Prefeitura de Porto Alegre.

Não deixe de postar o seu exercício e de indicar este blog a quem possa se interessar pelo mesmo.

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quinta-feira, 23 de junho de 2011

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O Ritmo

O ritmo é uma das principais características da poesia, a ponto de alguns autores, como, por exemplo, Otávio Paz, acreditarem que este se trata do principal diferencial entre prosa e poesia.

Todo poema apresenta um ritmo que o distinguirá de um outro texto que não seja poético.

O ritmo nasce, intencionalmente ou não, no plano sonoro da linguagem, com da combinação entre sílabas tônicas e átonas e outros efeitos sonoros, considerando as pausas.

Há sempre uma íntima relação entre o ritmo de um poema e o que ele quer dizer, ou efetivamente diz. Desse modo, toda análise poética deve considerar tantos os aspectos verbais e relativos ao significado das palavras quanto os aspestos sonoros destas últimas.

Um dos primeiros aspectos do ritmo é a metrificação, que é a contagem das sílabas de um verso, e a combinação de versos com metros iguais ou diferentes, conforme o caso.

Contam-se as sílabas de um verso da mesma forma que se contam as sílabas de uma palavra, só que se para a contagem na última sílaba tônica de cada verso.

O mais importante é sentir o ritmo de modo a fazer com que o som e a musicalidade do poema este de acordo com aquilo que o autor diz no poema.


Veja como o ritmo funciona em um poema como “A Valsa”, de Casimiro de Abreu.


Tu ontem,
Na dança,
Que cansa
Voavas co´as faces
Em rosas
Formosas
De um vivo
Lascivo
Carmim.

Os versos são de duas sílabas, com exceão do 4º verso, parecendo com o ritmo da valsa, de três tempos, já que, na contagem de sílabas poéticas, não se contam as sílabas após a última silaba tônica. Desse modo, o ritomo de adequa ao tema do poema.

Antes de nos apronfundarmos na análise do ritmo na poesia, procure realizar o exercício abaixo:

Exercício
Escolha um verso, criado por você ou retirado de um poema de um outro autor. Em seguida, procure alterar o ritmo deste verso, dando ao mesmo um outro sentido ou significado. Seja com a repetição deste mesmo verso ou com o acréscimo ou a supressão de alguma de suas palavras.

Exemplo:

Verso: No meio do caminho tinha uma pedra (do poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade).

No meio do caminho tinha uma pedra

No meio
Uma pedra

Caminho
no meio.
Caminho.

Caminho,
uma pedra,

Uma pedra,
Uma pedra.

Tinha
Um caminho.



Ricardo Lopes é poeta, escritor e professor. Autor da peça "Mãe ou o antiédio" premiada em 2o. lugar no Concurso Carlos Carvalho da prefeitura de Porto Alegre, no ano de 2001.

Não deixe de postar o seu poema, exercício uma perguta (que será respondida ) e de indicar este bolg a quem possa se interessar pelo mesmo.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Enumeração, Acumulação, Ampliação e Enumeração Caótica

Nesta postagem, vou abordar as figuras da enumeração, acumulação, ampliação e enumeração caótica. Todas juntas, porque elas são muito semelhantes entre si, além de estarem relacioandas.

Enumeração

Chama-se enumeração a menção a de determinados termos ou qualidades, características, etc., de alguma coisa.

Por exemplo:

Um discípulo
Jesus,
podia dar-me um conselho?

Jesus
Dois até.

Discípulo
Então me diga:
Qual o é
o caminho,
estrada,
teologia,
atalho,
filosofia,
religião
ou seita
que eu devo seguir?

(Do Envangelho de Cristo, de Ricardo Lopes)

Acumulação

Já a acumulação é uma enumeração que se acumula. Isso é o que se dá no próprio poema acima, quando o discípulo continua a enumerar o que ele deseja saber de Jesus Cristo.

Discípulo
Como devo viver?
Sob qual o princípio
ou fim...

Com que meio?
Bíblia,
livro,
dália,
manual,
caderno...

Com que roupa
ou coisa que o valha
que eu devo pregar?

Como é que é que se reza
ou ora?


Ampliação

Quanto a ampliação é uma enumeração que se acumula, geralmente ampliando as características de cada um destes termos.

Enumeração Caótica

Por fim, a enumeração caótica, é uma enumeração cujos termos não possuem nenhuma relação entre si, sendo até mesmo díspares.

No poema que citamos acima, há quase que uma enumeração caótica, na medida em que o que cada coisa que é enumerada, em alguns casos, não possui uma relação para com as outras.

Discípulo
Como posso curar
com o dedo?
Fazer ressuscitar,
sumir?

Como se predizer
futuro,
advinhar passado
ou número de dado?

Jesus
Todo número é um.

Discípulo
Jesus, me ensina a ler
mãos,
búzios,
baralho,
olhos,
tarôt,
cristal,
oráculo
ou bula de remédio?
Jesus, me cura o tédio ?!

Como fazer milagre,
magia,
prestidigitação.

Andar sobre o mar
ou sobre o chão,
voar...

Aprender a somar,
montar equação.
E multiplicar pão
e peixes,
paus,
moedas...

Ah! Como saber ler pedras...?

Ricardo Lopes é professor, poeta e dramaturgo. Premiado com a peça “Mãe ou o antiédipo” no Concurso de Dramaturgia CarlosCarvalho, da Secretaria de Cultura da Preefeitura de Porto Alegre no ano de 2001.

Não deixe se postar o seu exercício ou poema para que eu o analise ou comente.

Não deixe também de indicar este blog a quem possa se interessar por ele.
Na próxima postagem realizarei um comentário sobre o exercício que desenvolvi acima.

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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Poema com o uso da figura da repetição

Morrer de amor
(mas sem morrer)

Há uma dor maior que a dor de não te ver.
É a dor de ver-te, ver sem poder te ter.
Morrer de amor em frente ao amor, morrer
de dor de amor maior, maior que a própria dor
de amor, tanto amor que, para não doer,
o que se quer? Morrer. Morrer, morrer, morrer...
Mas da qual não se morre, não se morrer ao morrer,
só pra ainda mais doer. Doer, doer, doer...
Não morre pra doer. Pra doer de morrer
de dor de amor, morrer. Morrer, mas sem morrer.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Mais Repetição

Há diferentes tipos de repetição. A repetição pura e simples é chamada de “epanalepse”. E é esta que temos visto até agora. Além do “quiasmo”, que é a repetição invertida. Exemplo: “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho” (Drummond de Andrade).

A repetição de uma palavra no início de um verso e no início do seguinte é chamada de anáfora.

Exemplo:

“É preciso casar João
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades,
é preciso substituir nós todos”

(“Poema da Necessidade”, Carlos Drummond Andrade)

E porque fez tanta coisa ou nada fez
Ou não multiplicou pães pra toda gente
Ou porque não tinha trinta e um dinheiros
Ou porque não havia vinho suficiente.

(De um Evangelho de Um Cristo, Ricardo Lopes)

A repetição de uma palavra no final de dois ou mais versos consecutivos chama-se epístrofe ou epífora.

“Não sou nada
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada
Á parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”

(Poema de Tabacaria, Álvaro de Campos)




Reduplicação é a repetição de uma mesma palavra ou expressão duas vezes seguidas no mesmo verso.

“Não, não quero nada
Já disse que não quero nada”

(Lisbon Revisited, Álvaro de Campos)

O exemplo acima possui uma reduplicação e uma epífora ou epístrofe.

Já a repetição de uma palavra no início e no final deste mesmo verso é chamada de epanadiplose

“Nada me prende a nada
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo”

(Lisbon Revisited, Álvaro de Campos)

“Não vim trazer a paz na Terra, vim
trazer espada, vim trazer a guerra”.
(De O Evangelho de um Cristo, Ricardo Lopes)

E a repetição no final de um verso e no início do seguinte é chamada de anadiplose.

Transformou àgua em vinho,
Vinho em vinagre”.

(Do Evangelho de um Cristo, Ricardo Lopes)

Observe como seria diferente se o poema acima, ao invés de se apresentar desta forma fosse escrito do modo abaixo:

“Transformou água em vinho
e este em vinagre”.

Ou, ainda, desta outra forma.

“Transformou água em vinho
e este último em vinagre”.
No entanto, como já dissemos, pouco importa o nome de tais repetições. O importante é saber de sua existência e como elas podem ser aplicadas.

Exercício

Escolha algumas formas de repetição. Procure construir um ou mais poemas com estas repetições

Exemplo:

Para não perder o hábito, uso, novamente, da expressão tão comum que é “eu te amo”.

1º exercício

Se eu te amo

Se eu te amo ? Eu ?
Se eu te amo ?
Eu ? Eu
não.

2º exercício

Eu não te amo

Eu não te amo. Não
Amo a ninguém. Não
Amo. Amo não Eu
Não amo nem eu não.
Amo não.

Tais exercícios não são necessamente poemas, mas exercícios. Servem para treinar a técnica, aprendendo a controlá-la, de modo poder utilizá-la quando necessário.
O importante é estar treinado de modo a que, quando nós quisermos escrever algo, possamos utilizá-las. Ou que as tenhamos de tal maneira apreendidas, de tal modo, que elas venham “naturalmente”.

Ricardo Lopes é professor, poeta e dramaturgo

Não deixe de postar o seu exercício e de indicar este blog a quem possa se interessar pelo mesmo.

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segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Repetição em um Poema de Carlos Drummond Andrade e em um poema de Ferreira Gullar

Leia o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, do livro “Alguma Poesia”. Observe como ele faz uso da repetição, repetindo a afirmação “No meio do caminho tinha uma pedra” e de como esta repetição dá ênfase e maior expressão àquela.

Os versos iniciais “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho” são um “quiasmo” ou uma “inversão” que quer dizer isto mesmo. Uma repetição com os termos invertidos.

Depois Drummond repete o segundo verso, só que quebrado, constituindo uma “anáfora”, que a repetição de uma mesma expressão no início de dois versos diferentes com uma repetição de seu início, repetindo novamente o verso inicial.

Pouco importa que saibamos os nomes dos diferentes tipos de repetição. O que vale é compreensão do quanto a repetição, seja de forma extamente igual, ipsi literi, ou de forma variada, dá ênfase, expressão, alterando, inclusive o sentido do verso.

Qualquer dúvida, volte à postagem em que realizei uma análise deste poema de Carlos Drummond.

Considere agora o poema “Poema Brasileiro” (do livro “Dentro da Noite Veloz), de Ferreira Gullar. Este é constituído apenas da afirmação “No Piauí de cada 100 crianças que nascem/78 morrem antes de completar 8 anos de idade”.

Esta é repetida até o final do poema, exatamente igual, mas com uma quebra, formando diferentes versos com diferentes números de sílabas, terminando com o verso “antes de completar 8 anos de idade”, quatro vezes.

No caso deste poema, pode-se dizer que partindo de uma afirmação praticamente jornalística, embora impressionante, por meio da repetição e da quebra dos dois versos iniciais, com a formação de outros versos menores, Ferreira Gullar torna-a ainda mais impressionante, chamando atenção à mesma.

Deste modo, uma afirmação jornalística, entre as tantas que lemos todos os dias, que são vistas, até mesmo em função da sua repetição, como “normais”, passa a nos chamar atenção.

O caráter jornalístico é enfatizado tanto pelo tipo de informação que o poema traz quanto pelo fato de os números não serem escritos por exetenso, mas com a simbologia da matemática e da usualmente utilizada nos jornais.

A quebra dos versos inciais, formando outros versos tais como “No Piaíu/de cada 100 crianças/que nascem”, etc, enfatiza cada uma de suas palavras. O verso final, “antes de completar 8 anos de idade”, repetido como é, soa como um eco. Como se o leitor/ouvinte, depois de ler/ouvir a afirmação e o poema como um todo, ficasse com estes soando em sua consciência.

O poema se chama “Poema Brasileiro”, tanto porque Piuaí é um estado do Brasil quanto porque o que ocorre no Piauí ocorre no Brasil como um todo. Devido a isso, pode-se dizer que, neste caso, o Piauí funciona tanto como uma metonímia, na medida toma uma parte (Piauí) para se referir a um todo (Brasil) quanto uma metáfora, considerando Piauí como uma forma de se referir, na verdade, ao Brasil.

Procure poemas que se utilizem da repetição, sob as mais diferentes formas, e observe o quanto o uso desta reperição altera, de alguma forma, aquilo que se repete.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Análise dos poemas do exercício com o uso da repetição

Poema
Eu (não) te odeio

Eu te odeio,
eu te odeio,
eu te odeio!

Eu te odeio,
eu te odeio,
eu te odeio?

Eu te odeio?
Eu? Eu? Eu?

Eu te amo.




Análise do poema

A expressão repetida é “eu te odeio”. Na primeira estrofe, esta expressão aparece três vezes, de modo a enfatizar a mesma. Isso é reforçado pela exclamação no último verso.

Na segunda estrofe, há novamente a expressão, mais três vezes. Também para dar ênfase, o que, de certa forma, é desnecessário, pois já se enfatizou na primeira estrofe. No entanto, no final desta estrofe, ao invés de uma exclamação, há uma interrogação,colocando em dúvida a afirmação que, até então, fora afirmada e enfatizada. Na terceira estrofe, a afirmação “eu te odeio” é repetida, só que com uma interrogação, novamente, enfatizando a dúvida. A dúvida é de tal ordem que o autor/narrador/personagem coloca em dúvida o seu próprio eu, ao afirmar, no segundo verso da terceira estrofe. Eu? Eu? Eu? Coloca em dúvida tanto o sentimento de ódio pela pessoa em questão (não explicitada) quanto seu próprio eu, sua existência, sua capacidade de saber se odeia ou não,etc.

No final do poema, revela-se o real sentimento do autor/narrador/personagem, que é o fato de ele amar e não odiar a pessoa em questão.

Observe o quanto a repetição enfatizou a afirmação “eu te odeio”. No entanto, observe também como o aumento do número de repetições diminui essa ênfase, bem como pode até mesmo colocar em dúvida a afirmação em quetão, ou simplesmente esvaziá-la.

Observe como a pontuação é importante, mudando o sentido dos versos que utilizam a mesma afirnação, pois uam coisa é dizer “Eu te odeio.”, outra é dizer “Eu te odeio!” e outra é dizer “Eu te odeio?”.

Observe que a afirmação “eu te amo” foi dita uma única vez. Isso pode significar que uma vez afirmado, o amor não precisa de ser enfatizado. Que sua afirmação, ou a afirmação constante por parte de alguém que ama outra pessoa, pode significar tanto que se ama quanto que não se ama.

Por fim, pode-se observar como amor e ódio se assemelham, no sentido de ser um sentimento por alguém que, de algum modo, levamos em consideração. No caso do poema acima, isso é enfatizado pela simetria forma, em número de sílabas, e no ritmo, das expressões “eu te odeio” e “eu te amo”, ambas com quatro silabas poéticas, e com uma acentuação tônica nos segundo e quatro versos.

O único momento em que esta simetria é quebrada é no segundo verso da terceira estrofe, que tem três sílabas poéticas.

A simetria também é quebrada na terceira estrofe, pois enquanto todas as outras possuem três versos, esta possui dois. O mesmo se dá na última estrofe, de um único verso.

O título, “Eu (não) te odeio” já indica que a expressão “eu te odeio” não significa “eu te odeio”, ou que sinifica tanto eu te odeio quanto o contrário.



Obs: contam-se as sílabas poéticas excluindo-se as sílabas posteriores à tônica da última palavra do verso.



Poema

Acalanto Fúnebre


Dorme, dorme, dorme
que a noite já chegou.

Dorne,dorme,dorme,
mesmo se sem sono.

Dorme, dorme, dorme,
veio a madrugada.

Dorme, dorme, dorme
que a vida não é nada.

Dorme, dorme, dorme
que o dia já veio.

Morre, morre, morre.


Análise do Poema


A repetição, no caso do poema acima, é da palavra dorme, o que ocorre comumente em diversos acalantos. Há ênfase no pedido “dorme” que é expresso três vezes no primeiro verso e no início de todas as estrofes,com exceção da última.

O segundo verso de todas as estrofes, com exceção da última, há explicação do por que se quer que o leitor/ouvinte, etc durma. Sobre isso, há que se observar que há tanto motivos banais, como “que a noite já veio”, quanto motivos contraditórios ou absurdos, tais como “mesmo que sem sono”, “que o dia já veio” (como se se dorme quando é noite e não quando é dia?). Ou ainda, porque “a vida não vale nada”.

E, se a vida não vale nada, pedindo que se durma, de noite, de dia, de madrugada, ocorre que o pedido para que se durma se assemelha com um pedido para que não se viva, ou que se morra. A isso, deve-se acrecentar a semelhança entre dormir e morrer.

Deve-se observar que o título “Acalanto Fúnebre”, já enfatiza esta semelhança entre dormir e morrer.

A conclusão é “morre,morre, morre”.

Observa a semelhança on número de sílabas e na acentuação entre os veros “dorme, dorme, dorme” e “morre, morre, morre”.

Talvez eu pudesse ter terminado com “dorme, dorme, morre”.

Qual seria o final melhor?

De qualquer modo, independente da qualidade deste poema como um todo, o fato é que o recurso da repetição não teve a mesma importância que no primeiro poema.



Poema


Vida em Resumo


Dorme, dorme, dorme.
Acorda, acorda, acorda.

Dorme, acorda, dorme.
Acorda, dorme, acorda.

Dorme, acorda.
Dorme, acorda, dorme, acorda, dorme, acorda.

Dorme, dorme, dorme, dorme, dorme ....



Análise do Poema



Neste poema, a repetição é das palavras dorme e acorda. Esta se parecem, conforme indica o título do poema, “Vida em Resumo”, um resumo da vida. Como se a vida se resumisse apenas nisso em acordar e dormir, dormir e acordar. E, no final, dormir, só que para sempre, quando se dorme para sempre, conforme é indicado no último verso “Dorme, dorme, dorme, dorme, dorme... “ com reticências, indicando a continuida desde dorme.


Relendo este poema creio ele ficaria melhor como está abaixo


Vida em Resumo


Dorme, dorme, dorme.
Acorda, acorda, acorda.

Dorme, acorda, dorme.
Acorda, dorme, acorda.

Dorme, acorda.
Dorme, acorda.
Dorm’ e acorda dorm´e acorda dorm´e acorda dom´ e ...

Dorme, dorme, dorme, dorme ....

[ainda: substituindo a última estrofe por

dorme, dorme, dorme, dorme
e nunca mais acorda.]

Qual, na sua opinião, seria o melhor?

Não deixe postar um comentário ou seu poema e de indicar este blog para quem possa se interessar.

se você quiser um atendimento particular sobre como analisar e escrever poemas, entre em contato telefones (Rio de Janeiro) 0 21 22011212 / 0 21 94082693 e-mail riclopp@ig.com.br

Exercícios com o uso da Repetição

Eu (não) te odeio

Eu te odeio,
eu te odeio,
eu te odeio!

Eu te odeio,
eu te odeio,
eu te odeio?

Eu te odeio?
Eu? Eu? Eu?

Eu te amo.




Acalanto Fúnebre


Dorme, dorme, dorme
que a noite já chegou.

Dorne,dorme,dorme,
mesmo se sem sono.

Dorme, dorme, dorme
que veio a madrugada.

Dorme, dorme, dorme
que a vida não é nada.

Dorme, dorme, dorme
que o dia já veio.

Morre, morre, morre.



Vida em Resumo


Dorme, dorme, dorme.
Acorda, acorda, acorda.

Dorme, acorda, dorme.
Acorda, dorme, acorda.

Dorme, acorda.
Dorme, acorda, dorme, acorda, dorme, acorda.

Dorme, dorme, dorme, dorme, dorme ...

terça-feira, 17 de maio de 2011

A Repetição

Um dos recursos mais utilizados em um discurso, seja de que tipo for, é a repetição. Existem diversos tipos de repetição. Abordaremos primeiro o caso de uma repetição de uma expressão, no todo ou em parte, sem nos preocuparmos com qualquer denominação técnica da mesma, procurando observar o seu respectivo efeito.

Vejamos uma expressão simples e comum como “Eu te amo”. Observe as seguintes formas de se dizer esta mesma expressão.

1) Eu te amo.

2) Eu te amo, eu te amo, eu te amo!

3) Eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo ...

A primeira expressão consiste na afirmação “eu te amo”, pura e simples, como um fato. Na na segunda vez, a expressão “eu te amo” ganha uma maior ênfase. É como se quem a dissesse amasse mais, tanto que necessitasse não apenas de afirmar, mas de re-afirmar que ama.

Já terceira vez, como a expressão “eu te amo” é repetida quatro vezes, pode-se dizer que a ênfase é maior ainda. A isso se deve acrescentar que, além de repetir a expressão quatro vezes, o terceiro exemplo finaliza, não com um ponto final, mas com reticências. Isso significa que, ao invés de a repetição ser de apenas quatro vezes, é de ainda mais. Sugerindo, inclusive, uma repetição infinita ou de número indeterminado.

Ocorre que, uma vez que uma expressão ou palavra é afirmada, re-afirmada e enfatizada, a continuidade de sua repetição deixa de exercer o mesmo efeito, pois que, neste caso, não haverá mais necessidade de se afirmar, re-afirmar e enfatizar.

Portanto, o primeiro objetivo de uma repetição é enfatizar aquilo que e repete. No entanto, uma vez realizado este efeito (que não é o único) da repetição, a forma da repetição tende a diminuir, não mais enfatizando.

Imagine agora o seguinte texto. Uma página inteira onde se lê apenas, de forma repetida, a expressão, “Eu te amo”.

Neste caso, a expressão “Eu te amo” ganharia um efeito tanto maior quanto menor. Isso porque, de um lado há uma ênfase, em função de a palavra estar repitada inúmeras vezes. No entanto, devido à repetição demasiada, ocorre que, neste caso, a expressão “eu te amo” acaba por perder a força e a não ser enfatizada, com um “eu te amo” se perdendo em outro, como uma pessoa em uma multidão.

Vejamos agora alguns poemas com o uso da repetição e da expressão “eu te amo”, com algumas das palavras que compõem esta mesma expressão.




Eu

Eu?! Eu?!
Eu te amo.


Amo eu

Eu te amo, eu
te amo eu te
amo eu te
amo eu.

No primeiro caso, a repetição é da palavra eu. O poema indaga “Eu?!’ e, depois, novamente, “Eu?!”, enfatuzando a indagação. Note que há uma indagação e uma exclamação, como se o personagem do poema estivesse surpreedido o admirado com a pergunta. Neste caso, a repetição enfatiza a exclamação.

Ainda no caso do primeiro exemplo, comentado acima, observe como se se tivesse dito “Eu”, sem repetição e sem exclamação e interrogação, o verso perderia sua força, diexando de ser figurativo.

O “eu te amo” com que termina esse primeiro poema é a resposta à indagação “Eu?!” do primeiro verso. A isto, deve-se acrescentar que o poema é intitulado “Eu”. Isso quer dizer que o personagem do poema se define como alguém que ama aquele para quem se dirige (o seu amor e o seu leitor, ambos, simultaneamente).

O segundo poema, intitulado “Amo eu”, faz uso da expressão “eu te amo” de forma repetida e distribuída de forma diferente nos versos, de modo a criar outras espressões que não “eu te amo’, finalizando com a afirmação “amo eu”.
Como se da repetição do “eu te amo’ surgisse a expressão “amo eu”, como uma “verdade profunda” por detrás daquela.

No caso acima, o título “Amo eu” responde à questão do conteúdo mesmo do poema como um todo.
Da análise dos exemplos de poemas apresentados com o uso da expressão “eu te amo”, pode-se concluir que a repetição de uma palavra ou expressão pode alterar o sentido da mesma.

Deve-se observar que a repetição pode vir acompanhada de outros recursos, tais como a pontuação, como no exemplo um, ou a alteração da ordem dos termos da expressão, como no exemplo dois.

Os poemas apresentados acima fora apenas exercícios, com o objetivo de experimentar o recurso da repetição. O mesmo deve ser realizado no exercício abaixo.



Exercício

Escolha uma palavra ou expressão qualquer. Faça um ou mais poemas com esta palavra ou expressão, lançando mão do recurso da repetição. Veja como a repetição desta palavra ou expressão altera o sentido das mesmas.

Não deixe de ler o que você escreve, procurando entender e controlar o sentido, de modo a fazer com que o poema diga aquilo que você quer dizer.

Se quiser, coloque um título no poema que seja uma definição ou chave para a compreensão do mesmo.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

PARA ESCREVER POESIA

Para se escrever poesia o que se deve fazer é ler e analisar poemas de diversos autores, de diferentes estilos e épocas, conhecer algumas técnicas da arte poética e se exercitar, procurando aplicar algumas destas técnicas na prática.

É claro que para isso, você deve gostar e querer ler e escrever poesia, além de observar se entre os gêneros literários existentes é este o que você mais gosta.

A partir desta postagem, este blog procurará apresentar algumas sugestões para quem deseja escrever poesia. Isto se dará do seguinte modo: apresentando algumas técnicas da arte poética, analisando alguns poemas ou trechos de poemas de diversos autores, de diferentes estilos e época, apresentando um exercício de prática poética, analisando algum poema de um dos leitores do blog.

Os poemas de outros autores, a menos que se trate de poemas já sob o domínio público, somente serão citados parcialmente, em respeito ao direito autoral.

De vez em quando, apresentarei algum poema de minha autoria.

A periodicidade das postagens deste blog deverá ser de 1 por semana, em média.

Para quem desejar, eu poderei dar sugestões individuais ou em grupo, em particular, sob a forma de aulas. Para isso, basta entrar em contato; Telefones 0 (21) 22011212 / 0(21) 94082693 . (Rio de Janeiro) Se você não residir no Rio de Janeiro, este contato e este próprio atendimento individual e particular poderá ser realizado por e-mail: riclopp@ig.com.br

Mas o que é Poesia ?


Pode-se considerar poesia como um texto escrito onde o ritmo e a forma de se escrever ou dizer o que diz é tão ou mais importante do que aquilo que se diz. Como disse Paul Valery, “Em Literatura, o que é forma para os outros, é conteúdo para mim”.

Fazem parte da forma da poesia os seguintes elementos

1) texto em versos, embora exista uma prosa poética. Mas, nesse caso, a prosa poderá ser distribuída em versos.

Um exemplo clássico de prosa poética é o inicio de “Iracema”, de José de Alencar.

“Verdes mares bravios de minha terra natal.onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; verdes mares que brilhais, como líquida esmeralda aos raios do Sol nascente”, etc.

Também há poemas que não possuem versos propriamente ditos, como alguns poemas concretos.

Mas pode-se dizer que há versos, se considerarmos cada uma das frases ou palavras em seus diferentes locais no espaço da página como versos. Além disso, pode-se dizer também, em um poema concreto, se há versos propriamente ditos, tampouco há prosa.

2) Uso de metáforas em maior quantidade do que um texto em prosa. Sobretudo se esta prosa não for uma prosa literária

Quando Carlos Drummond de Andrade diz “No meio do caminho tinha uma pedra”, esta pedra a qual ele se refere deve ser entendida como uma metáfora. E somente assim, este verso poder ser considerado como um verso poético. No entanto, em uma análise de um poema, deve-se considerar tanto o aspecto literal quanto metafórico, conforme já observamos em outra postagem neste mesmo blog e como procuraremos observar em maiores detalhes posteriormente.

Se se considerar no poema em questão o aspecto literal, o poema de Carlos Drummond de Andrade do qual o verso “tinha uma pedra no meio do caminho” faz parte ganha um caráter cômico, surreal ou “non sense” e inusitado, pois que, mais adiante, Drummond dirá que “nunca me esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas tão fatigadas.”. Afinal, como é possível que uma pedra no meio do caminho tenha tal efeito sobre quem encontra?

É importante observar como o verso “No meio do caminho tinha uma pedra” somente pode ser considerado como poético no contexto do poema.

Já em uma reportagem de jornal, por exemplo, em que o repórter descrevesse o fato de que um automóvel teria se desviado, etc. por que “no meio tinha uma pedra”, o sentido seria outro e este não seria um verso poético.

3) A presença de uma polissignificação (múltipla significação) das palavras e, sobretudo de determinadas palavras-chaves.

Tal como o ocorreu com a pedra no poema de Carlos Drummond citado anteriormente, esta possui, pelo menos, logo de início, dois significados. O de pedra mesmo e o de algo inesquecível, no entanto indeterminado. Tal indeterminação, por sua vez, empresta à própria significação dessa palavra um caráter múltiplo que pode ser identificado, em parte, com a leitura do poema.

Por exemplo: a pedra, em questão, objeto inesquecível indeterminado para a percepção visual do autor/personagem do poema, é algo que o paralisa, pois que, a partir de então, o poeta/personagem só faz repetir, de diferentes formas, que tinha uma pedra no meio do caminho.

4) O uso de figuras com a intenção provocar um efeito expressivo, com a forma expressando um conteúdo

Figuras são diversas formas de dispor o texto que podem ser considerados como ornamentos, mas que estão intimamente relacionados com o conteúdo do texto. Uma delas, que é uma das mais utilizadas, é a repetição, lembrando que existem muitas formas de repetição, cada uma delas com um nome diferente.

Observe como o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drumonnd de Andrade ganha uma maior expressividade na medida em que o verso “tinha uma pedra no meio do caminho” vai se repetindo. Primeiro logo em seguida, no segundo verso, sob a forma de um quiasmo ou inversão, que é, justamente, a inversão dos termos de um verso no verso seguinte. “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho”

Na próxima postagem deste blog procurarei tratar de algumas figuras de repetição.


Não deixe de postar um comentário, perguntas (que serão respondidas) e indicar este blog.

até a próxima.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Poema para o Dia das Mães Maria (do Poema Dramático "Invenção de Cristo)

Parecia Maria, mas não era.
Mas dera luz a um Jesus também.
De quê forma? Ninguém nunca soubera.
Ela que estava de Maria aquém.

Não fora o Espírito, mas um espírito
que a engravidou com o corpo de alguém.
E fora igual Maria no seu grito
quando nascera o menino-belém.

Filho de ninguém, pai foragido.
Parecia Jesus, mas era quem?

Era mais um Jesus sem ser Jesus,
por isso Cristo mais do que ninguém.
E não fora um espírito, mas eu que o pus,
pra vir pro mundo pra sofrer também.

domingo, 24 de abril de 2011

A Ressurreição

Mas Jesus ressuscitou,
após três dias.
Dizem até que ele rezou
Ave Marias.
Que dançou, sobreviveu,
sobrevoou...

Mas Jesus ressuscitou,
é o que dizem.
Que moveu pedra,
ou pedra o moveu.
Quem o viu não fui eu,
Foi a Madalena.
Dizem até que a pedra
também a moveu.

Mas, se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que ele não acreditou
no que ele via
E no que ele não via,
nem se moveu.

Que ressuscitou, depois,
se arrependeu.
Mas se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que não se acreditou
e nem se via.
E que ninguém se moveu,
nem se movia.
Tampouco se escutou
ou se dizia.

Que Jesus ressuscitou,
ninguém o cria.

Mas, se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que ninguém nunca o viu,
quando vivia.
Tampouco alguém o ouviu,
ou o seguia.
Comoveu-se quando ele ainda
comovia.

E, se Jesus ressuscitou,
o que não dizem
é que ninguém se curou,
só adoecia.
De doença que já havia
ou que viria,
E, mesmo quem era são,
também morria.

E se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que até Jesus em ninguém
nunca ele cria.
E que ninguém o entendeu,
só o entediava.
E, se alguém dizia-o crente,
ele negava.

E, se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que não pregou sermão,
apologia.
Só falou naturalmente
o que sentia.
Se tornou-se pregador,
é que alguém queria.

E se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que enquanto ele pregava,
quem o ouvia,
olhava-o sério,
olhava-o,
detrás se ria.
Acusando-o de doente,
louco de pia.

E, se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que se foi pregador,
ninguém seguia
ele é que seguiu,
ou, melhor,
que perseguia,
pregando só no deserto.
E o povo corria.

Mas se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que nunca fez milagre,
nem o faria.
Fez apenas com palavra
uma poesia.

E, se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que ser Cristo,
ir pra cruz,
não é o que queria.
Quis chamar-se Raimundo,
ou até Maria.
Se foi Cristo, foi porque
alguém devia.

Mas, se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que ele não foi Deus,
nem Deus seria.
Se assim foi
chamado foi,
é porque morria.

E, se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que, se ele foi pra cruz,
povo pedia.

E se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que se ele foi pra cruz,
é que água havia.

E se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que quando ia pra cruz,
o povo ria.

E se Jesus ressuscitou,
o que não dizem.
É que se ele foi cruz,
é que cruz havia.

E se Jesus ressuscitou,
o que não dizem,
é que quando ia pra cruz,
povo aplaudia.


Este poema e o anterior, denominado “A Paixão de Cristo”, fazem parte do Poema Dramático “Invenção de Cristo”, de Ricardo Lopes

sábado, 23 de abril de 2011

A Paixão de Cristo

E porque fez tanta coisa, ou nada fez,
ou não multiplicou pães pra toda gente,
ou porque não tinha trinta e um dinheiros,
ou porque não havia vinho suficiente.

Porque era sábado ou não era sábado,
ou porque ele só falava por parábola,
ou porque a explicação era parábola,
ou porque em pleno deserto havia água.
E se Jesus se chamasse Raimundo,
ainda que Raimundo fosse Jesus,
ou se os judeus não fossem tão judeus,
ou se esse deus também não fosse deus.

E se Pilatos não fosse Pilatos,
ou se as Marias nunca engravidassem,
ou se José houvesse desconfiado...

quarta-feira, 20 de abril de 2011

iNVENÇÃO DO MUNDO

INVENÇÃO DO MUNDO
RICARDO LOPES







Prefácio

Quisera eu escrever tão claro que,
quando eu escrevesse rosa, lesses rosa.
E, ao leres, lesse e visse o viço e
ouvisse o soar do cor-de-rosa.
Como se colorisse a rosa escrita
e gritasse a palavra colorida.

Só assim a escrita rosa será rosa,
como uma coisa é uma coisa é uma coisa.
E a palavra palavra, em verso e rosa,
qual Deus é Deus. Deus é o que é e
uma rosa é uma rosa é uma rosa.

Canto I. De Deus

I
Deus é tudo o que é exterior.
A terra, o sol, o céu, o mar.
O rio que corre,
a flor que floresce,
a pedra no meio do caminho...

O vento que sopra
e o que não sopra também.

Aquela nuvem que passa,
aquele homem que passa,
aquele carro que passa...
Ih, passou!

Deus também é eu,
embora eu não seja Deus.
E o coração de Deus é tão grande quanto o mundo.

Mas tudo o que é exterior é interior
e o que é interior exterior.
Deus é o dentro e o fora.
Ou, para Deus, não há dentro ou fora.
Deus simplesmente é.
E o resto é nada.
Mas Deus também é nada.
E o resto é Deus.

II
Deus criando o mundo:
mais parece uma criança com os seus brinquedos.
Quando quer que uma coisa seja outra,
não precisa nem dizer,
é só pensar,
e uma coisa será outra.

Se quer que haja luz,
luz haverá.
- Faça-se luz, diz Deus,
ligando o interruptor com um cabo de vassoura,
essa “mão invisível”
para alcançar mais alto.

Com a massinha de moldar,
Deus faz o primeiro homem.
Mexe, remexe...
Mas, depois de refletir um pouco,
amassa tudo e inventa um´outra coisa.

Faz seu mundo à sua imagem e semelhança,
até enjoar e largar ele de lado.

- De-eus, Deus!
Maria está chamando pra papar!

III
E agora Deus?
O mundo que criaste,
a vida que me deu.
Deu no que deu.
Gostaste? Não eu!

A costela que me quebraste,
a mulher que me deu.
Deu?! Não deu.
Por que não me abandonaste,
foi falta de adeus?

A crença que me inculcaste,
Deus, não Deus?
A culpa que me deu.
O pecado que inventaste,
perdão, mas não fui eu!

A água que transformaste
em vinho, quem bebeu?
O pão que tu me deste,
comeste, não eu.

E agora Deus?
E agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você ao menos
tocasse a valsa vienense...
Eu não queria,
mas esse Deus me deixa comovido como o diabo!

IV
Deus não é a terra,
o sol, o céu ou o mar.
Senão Deus se chamaria terra
e sol e céu e mar.
E Deus se chama Deus.

Não é a flor que floresce,
o vento que sopra
ou a pedra no meio do caminho.
Senão, Ele também se chamaria
flor, vento e pedra no meio do caminho.
Tudo ao mesmo tempo.

Mas Deus não se chama nada disso.
Deus se chama Deus.
Pelo menos é assim que todo mundo o chama,

As coisas todas passam,
Deus não passa.
Deus também não é eu,
Logo eu também não posso querer ser Deus.

Deus não tem coração,
porque Ele não é uma pessoa.
Ou, pelo menos, não é uma pessoa como a gente.
Deus é como se fosse todo coração,
mas só como se fosse.
Porque um coração é um coração
e Deus é Deus.

E o que é exterior é exterior,
e o que é interior interior.
Se o que é exterior fosse interior
ou o que é interior exterior,
só existiria uma palavra para chamar o que é interior e o que é exterior.
Mas há uma palavra para o que é exterior e uma palavra para o que é interior,
assim como há uma palavra para cada coisa que existe.
Inclusive Deus.

V
Perto de você,
nada mais existe.
Nem mesmo Deus
que, se a visse, nada teria criado.
Ou se envergonharia do que fez.

E, ao te ver,
não acreditaria.
E se converteria.

VI
Não querendo mais viver, pedi licença
a Deus, pra ele deixar que eu partisse.
Que eu fosse encontrá-Lo, onde estivesse,
já que Ele não estava onde eu estava.

Mas de onde Ele estava, antes que eu o visse,
Deus disse para que eu aqui ficasse.
Pois, se eu não estava onde Ele estava,
Ele estava onde eu estava.

E, se acaso eu fosse até Ele,
Ele não estaria mais comigo.
Pois se Ele estava onde eu estava,
eu só estava onde Ele não estava.

VII
Meu Pai? Disseram que se chamava Deus,
mas esse nome, para mim, nunca me significou nada.
Às vezes grito: “Deus, Deus!” – mas não me vem ninguém.

Nunca foi possível que Deus sequer me abandonasse
porque nunca soube o que era estar em companhia,
nem de Deus nem de ninguém.
Logo, nunca soube o que era estar só ou o que era amar.
E, no entanto, sem essa companhia, eu não passo de um ser abandonado.
E o que resta é alguém vagando a esmo, de lugar nenhum para lugar nenhum.
Sem saber de si, de nada, dos outros, quê outros?

Canto uma canção como se orasse,
oro como se cantasse uma canção.
E, no final das contas, não oro nem canto nada.
Às vezes chamo por um outro nome que não o de Deus,
mas também não me vem ninguém.
E choro por nada, como um recém-nascido abandonado pela mãe,
como que para pedir por algo que não sei o que é,
mas do qual necessito urgentemente.
E me vem um cansaço de quem se esforçou muito, muito, muito!
E me vem um sono profundo...

A coisa que eu mais gosto é de poder dormir um sono profundo.
Com sonhos, mas de uns sonhos dos quais eu só me esqueço,
ficando apenas uma sensação de quem sonhou sem saber com o quê,
ou de quem sequer sabe que sonhou.

Assim como se eu tivesse visto Deus sem saber que vi,
Ou estado com meu Pai sem saber que tive.

VIII
Deus disse: faça luz!
E a luz se fez.
Mas fora uma luz tão negra, mas tão negra
que o mundo continuou tão escuro quanto antes.

X
Se Deus quisesse que nós o conhecêssemos,
porque não apareceria Ele a nós como um de nós?
Ou como Ele é, fosse homem, mulher, pedra ou animal?

Mas Deus apareceu a nós como um de nós.
E nós não o reconhecemos.

sábado, 16 de abril de 2011

Para Escrever Poesia (leitura e escrita de poemas)

PARA ESCREVER POESIA
Ricardo Lopes

Este blog tem como objetivo a publicação de poesias e de dicas para quem deseja ler e escrever poesias




Quisera eu escrever tão claro que,
quando eu escrevesse rosa, lesses rosa.
E, ao leres, lesse e visse o viço e
ouvisse o soar do cor-de-rosa.
Como se colorisse a rosa escrita
e gritasse a palavra colorida.

Só assim a escrita rosa será rosa,
como uma coisa é uma coisa é uma coisa.
E a palavra palavra, em verso e rosa,
qual Deus é Deus. Deus é o que é e
uma rosa é uma rosa é uma rosa.


Para se ler uma poesia
procure observar os seguintes aspectos:


1) Aspectos formais

a) a forma do poema, se soneto, se quadra, se poema longo ou curto; observe como determinadas formas são mais tradicionais, formais, solenes (soneto, oitava rima, que é a forma dos versos, inclusive a distribuição das rimas, do “Lusíadas”, de Camões), outras mais modernas, despojadas (verso livre, sem métrica regular) ; umas mais populares, fáceis de dizer (quadras com versos de 5 ou sete sílabas, que são as chammadas redondilhas), outras mais difíceis (versos irregulares ou de doze sílabas ou mais); e como esta forma tem a ver com o conteúdo.

b) o número de estrofes
Lembre-se que em um poema, uma mudança de estrofe equivale, analogicamente, a uma mudança de parágrafo em texto em prosa.

c) o número de versos das estrofes. Se elas são simétricas ou assimétricas; lembre-se que um verso equivale a uma mudança de ritmo e, em alguns casos, de oração ou de uma frase. No entanto, isso deve ser combinado com a pontuação. Sobre isso, que se observe que há poemas em que o autor não coloca nenhuma pontuação, ou, às vezes, muito pouca, além de, muitas vezes, iniciar os versos, independente de iniciarem ou não uma frase com uma letra maiúscula.

d) o tamanho dos versos, quantas sílabas possui, se simétricos ou não; Medir o número de sílabas de um verso é um pouco diferente da medição de sílabas de suas palavras. Na medição do número de sílabas de um verso, deve-se parar na última sílaba tônica.
e) ritmo: verificar a acentuação (tempos fortes e fracos) que, em alguns casos, pode variar de acordo com a forma como se lê o verso; se há uma musicalidade (por exemplo, se os versos parecem “cantar” ou soar uma melodia, mesmo sem música), se se parece com a fala das pessoas ou o contrário, se é mais “solene”;

f) as rimas, se há ou não; se são simétricas ou não, se rimam só no final do verso ou se há rimas internas, isto é, no meio do verso, seja com o meio de outro verso ou no interior do mesmo.

g) se há repetição de palavras e que forma, por exemplo: se há uma simetria na repetição ou, se há uma acumulação, ou seja, uma repetição que se realiza diversas vezes.

h) outros recursos estilísticos, relativos à construção da frase ou som (que não alteram o sentido das palavras) entre os principais: aliteração (repetição de sons consonontais: “Pedro, pedreiro, penseiro, esperando”); quiasmo (repetição com inversão): No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho”; acumulação, é a repetição de uma ou muitas palavras, expressões, etc, em grande quantidade; ex: “No meio do caminho” de Drumond e, sobretudo, “Poema Brasileiro” de Ferreira Gullar. Veja como nestes poemas, as mesmas palavras adquirem outro sentido na medida em que são repetidas e muito repetidas. Ganham no mínimo uma ênfase, mas não apenas isso; enumeração enumeração caótica


Obs: a análise desses aspectos formais só tem validade quando associados ao conteúdo do poema, isto é, àquilo que ele diz, significa.


2) Aspectos de conteúdo
Em relação ao “conteúdo de uma poesia”, você deve observar os aspectos abaixo

a) o significado literal (denotativo) das palavras. Ler o poema de forma literal; isso é importante porque, sempre que há uma metáfora, como comumente ocorre em um poema, esta não suplanta totalmente o sentido literal. Ao contrário, assimila-o junto com o significado metafórico. Além disso, deve-se observar que, muitas vezes, a leitura literal de um poema que é metafórico, pode lhe dar um caráter inusitado, compondo uma outra figura, com um sentido “non sense” ou humorístico. Por fim, mesmo considerando o caráter metafórico do termo em questão, deve-se obsersar, apersar das palavras em questão não siginificarem o que significam literalmente, é importante que a metafóra em questão tenha sido realizado com tal termo e não como outro. Por exemplo: para dizer que uma mulher é bela, uma coisa é que ela é “bela como uma flor”, ou que ela é uma flor, ao invés de como, já outra é dizer que ela é bela como uma manhã, etc., ou , ainda, “quase tão bela quanto a revolução cuba”, como disse Ferreira Gullar em um de seus poemas.

b) a presença de analogia ou a metáfora principal do poema em questão. Por ex: em “No meio do caminho”, de Drumond, a pedra em questão, além de uma pedra literal, é uma metáfora, mas do quê? Nesse caso, o poema tenderá a ser melhor quanto maior for o número de significados que essa metáfora-chave e que as outras metáforas que o poema possa ter.

Observação: lembre-se da diferença entre Metáfora e analogia. Analogia é uma comparação explícita que diz uma coisa é como outra. Já a metáfora não é uma comparação. ela afirma que é.
Uma forma poética de se diferenciar metáfora de analogia é que tentei fazer em um poema que não possui título, mas que bem que poderia se chamar “Da diferença entre a Metáfora e a Analogia”.


Quando te digo que és flor e não que és bela,
qual uma flor bela ou o que flor,
é porque quero dizer que és flor qual aquela,
como uma flor é uma flor é uma flor
e não como flor, como flor com flor.
Porque és e não como, como és.
Uma flor, és uma flor, és uma flor.
3) Observar os desdobramentos da metáfora principal e de outras metáforas. Por exemplo: .

4) Considerando metáfora principal e outras metáforas, observar a coesão entre as palavras do poema;

5) observar outras figuras de sentido: antítese (duas palavras com sentido oposto); oximoro: duas palavras com sentido oposto numa única expressão, hipérbole: exagero, eufemismo: atenuação:, ironia diz uma coisa por meio de outra com um certo humor e crítica. Que se observe que todas estas figuras alteram o sentido das palavras. Portanto, são conotativas.



Análise de Poemas.
1º Poema: No meio do caminho (Carlos Drumond de Andrade)

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra

etc.

como não estou autorizado a reproduzir um texto de um outro autor, citei apenas os primeiros versos do poema acima. Para que quiser se lembrar, recorra ao google, ou a um livro do Drummond de Andrade. Este poema está no primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade que é o “Alguma Poesia”.



Leitura

1) Aspectos formais

a) forma do poema: livre; b) número de estrofes: duas Assimétricas, típico de um poema moderno; c) o tamanho dos versos: doze e quatro sílabas, assimétricos (modernos); c) rimas: quase não, a não ser da palavra pedra com ela mesma; o resto são versos brancos (sem rima) d) ritmo: quase não há uma musicalidade, o ritmo é coloquial, como o da fala comum das pessoas. No entanto, deve-se observar uma coisa importante: o primeiro verso e também o segundo, embora em menor grau, possui a métrica e até a acentuação de um verso solene formal, de um poema clássico. Os dois primeiros versos são dodecassílabos, isto é, de 12 sílabas, tão clássico que tem até um nome pomposo para ele, “Alexandrino”. Compare estes versos, e sobretudo o primeiro em sua musicalidade a qualquer outro verso desse mesmo tamanho. Mais precisamente, na musicalidade e até no sentido, até aparecer a pedra, esse verso se parece com “No mezzo del caminho di mi vida”, De Dante, que é o exemplo de um autor clássico, apesar do verso de Dante ser um decassílabo e não um dodecassílabo. Mas é que ambos são metros clássicos. Além disso, pelo menos até aparecer a “pedra” (e isso também é significativo), o verso de Drumond possui a mesma acentuação (distribuição de tempos fortes e fracos) do verso de Dante. e) Repetição: há diversas, formando figuras, tais como, o quiasmo ou inversão em “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho”; a expressões “tinha uma pedra” e “no meio do caminho” ou “No meio do caminho tinha uma pedra” são repetidas com mudanças na ordem das palavras. O poema termina com um outro quiasmo ou inversão, invertendo de novo a inversão primeira; f) outros recursos estilísticos: acumulação, criada pela repetição excessiva da expressão “no meio do caminho tinha uma pedra”.

2) Aspectos de conteúdo (relacionados aos aspectos formais)

1) aspecto denotativo (literal): O poema diz que “no meio do caminho tinha uma pedra”. Repetindo essa afirmação. Observa que nunca esquecerá desse fato na vida de suas “retinas tão fatigadas”, terminando por repetir esse acontecimento. Observe-se que desconsiderando qualquer conotação, considerando-o apenas de forma literal, o poema adquire um caráter humorístico. Pois, como pode alguém afirmar que o fato de se deparar com uma pedra no meio do caminho não o fará esquecer desse fato? Há que se observar também que as retinas do autor estão fatigadas. Importante observar, também, o autor/poeta/narrador, não está cansado, mas sim suas retinas. Fatigadas de quê? Se são retinas, deduz-se, fatigadas de ver. Ver o quê? O poema não diz. Portanto, pode-se deduzir, de ver tudo. E se está cansado, pode-se supor, recorrendo a um mínimo de adequação, que as retinas do autor não se admiram com mais nada. Mas, a pedra que ele encontrou no meio do caminho o fez dizer que “nunca esquecerá desse acontecimento”, etc.

Em um livro de análise de poesia, justamente de “No meio do caminho”, de Drumond, li a seguinte observação:


“Nesse poema, a “pedra” não é o objeto real que conhecemos – “a pedra no meio do caminho pode significar muitas coisas: o que atrapalha, a coisa marcante; a coisa desprezível, que pela repetição, passa a existir para o poeta” .GANCHO, Cândida Valadares. “Introdução à poesia: teoria e prática”.São Paulo, Atual, 1989, p. 20.


Acho isso errado. A pedra desse poema é tanto a pedra real quanto todas as conotações possíveis que a palavra pedra passa a ter. Desconsiderando o aspecto literal do poema, uma análise desse tipo acaba por dar menos importância ao caráter humorístico ou de ironia do poema.


2) Aspecto conotativo:
Metáfora principal. Pedra. Mas caminho, retinas fatigadas e todas as outras palavras do poema também são tanto metafóricas (embora não tamto quanto a metáfora principal) quanto literais.
Mas, antes de observar os posíveis significados dessa pedra e da afirmação “no meio do caminho tinha uma pedra”, deve-se observar que ela se parece tanto em conteúdo quanto em métrica com o “No mezzo del caminho de mim vida”, da “Divina Comédia”, de Dante. Dante é um clássico que é modelo para muitos escritores, sobretudo os clássicos. Drumond faz uma alusão ou citação a Dante. No entanto, faz essa alusão de forma irônica, colocando no meio do verso de Dante ou, até mesmo no meio do caminho de sua vida (da vida de Dante e dele mesmo, Drummond) uma pedra.
Existe uma outra alusão ou referência que esse poema faz. É aos poetas parnasianos. Os poetas parnasianos eram impecáveis na forma, considerando-a como mais importante do que o conteúdo. Por isso, tais poetas tratavam indiferentemente de temas como o amor ou uma pomba, como fez Raimundo Correia em “As Pombas”, ou uma coisa prosaica qualquer, como uma pedra.
Drumond está ironizando estes poetas, ao dar uma importância tão grande a uma pedra, tal como fiziam os poetas parnasianos. Portanto, além do significado literal, o primeiro significado da pedra do poema “No meio do caminho de Drumond” é “os diversos objetos prosaicos e desimportantes abordados pelos poetas parnasianos”.
Observe-se que não há nada mais prosaico do que uma pedra. Talvez tão prosaico quanto, como uma pomba, mas não mais. Outra coisa: essa “pedra” de Drumond não tem nada a ver com a metáfora pedra utilizada por João Cabral de Melo Neto, posteriormente. Sobre isso, que se pense na “Educação pela Pedra”, mas não apenas este livro. Mas toda a pedra, real e metafórica no meio da obra de Cabral de Melo Neto.
Dentro dessa alusão a Dante e dessa ironia com os poetas parnasianos, é possível identificar uma outra figura, a hipérbole, que é o exagero, particularmente, quando Drumond diz: “Nunca esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas”, etc, pois esse “nunca esquecerá”, além do significado literal, que já consideramos, só pode ser considerado, também, como um exagero. Mesmo que seja um exagero para se chegar àquilo que se quer dizer.
O poema termina repetindo a expressão “no meio do caminho tinha uma pedra” sob a forma de um quiasmo (inversão), tal como no início. Com a diferença de que esse último quiasmo realiza uma inversão sobre a inversão estabelecida no 2º verso do poema, o que faz com que o poema termine com um verso igual ao 1º com que ele se iniciou, qual seja: “No meio do caminho tinha uma pedra”. Tal figura pode significar que “tudo voltou ao que era antes, como no início”, conforme demonstra a forma do poema. Isto é, a pedra continuou no meio do caminho por mais que ele tenha dito isso de outra forma. E, no entanto, acabou por voltar a dizer da mesma forma que no início do poema. E, justamente, por ter encontrado uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho de sua vida, tal como Dante, ele Drumond, o poeta/narrador, continuara onde estava, isto é, “no meio do caminho”, ou no meio do caminho de sua vida, justamente, por ter encontrado uma pedra, obstáculo intransponível, fenômeno inesquecível, por ser admirável ou demasiadamente obstaculizante, etc, mas, antes de tudo, pedra, literal e simbolicamente. Por isso, não se pode desprezar o caráter literal das palavras em um poema.
A afirmação de que esse “meio do caminho” a que se refere Drumond é tanto um meio de caminho qualquer, prosaico, conforme sugere uma análise literal, como, também, um “meio do caminho de sua vida” é corroborada pela afirmação de que suas retinas estão fatigadas. Portanto, pode-se dizer que o narrador do poema em questão é alguém que já viu muitas coisas na vida, já viveu, está “no meio do caminho de sua vida”.
Observe como apesar de se considerar a palavra pedra de forma literal não se exclui seu aspecto conotativo, como, também, é importante que o autor tenha encontrado uma pedra e não uma outra coisa para que o poema ganhe uma carga significativa ainda maior. Por isso, quando se analisa uma metáfora, que aquilo que se diz não é o que se diz (isto é, não literalmente o que se diz) deve-se dizer observar também em importância em se utilizar esta metáfora (isto é, a pedra) e não outra (pomba, ou coisa, ou outra).
Que se observe, também, que pedra é onde tropeçamos. E, embora o autor não tenha dito que essa pedra seja um obstáculo ou que ele tenha tropeçado nela, é possível supor essa possibilidade, nem que seja um tropeço metafórico. Até porque, assim que o autor se depara com uma pedra no meio do seu caminho, ele não faz mais nada além de dizer isso, repetindo, tropeçando. E mais, tropeçando na forma.
Concluindo, observe como nesse poema, e nessa análise, os aspectos formais foram associados ao conteúdo do poema. E que, em nenhum texto, mas ainda mais em um poema, nenhuma palavra é escrita à toa. E se o é, ou fica sobrando ou é associada às outras palavras, ganhando e dando um outro sentido as mesmas, mesmo que não seja o que o autor quis dizer, pois um texto não fala apenas aquilo que queremos, mas tudo aquilo que é possível dizer. Por isso, também, às vezes escrevemos um texto e verificamos que não era exatamente aquilo que quisemos dizer. Ou, ainda, quando colocado em outro contexto, o poema acaba adquirindo um outro significado. Por isso, em uma análise de um texto, no caso um poema, é importante considerar tanto o texto quanto o contexto. Embora, em muitos aspectos se realize uma análise apenas textual, considerando que, justamente, por ter sido produzido dentro de um contexto, o texto sempre traz este último em seu bojo.
Por fim, deve-se observar que, tal como num sonho, num poema, os significados nunca estão totalmente esgotados. Nesse sentido, pode-se dizer sobre os poemas o mesmo que Freud dissera para os sonhos, afirmando que estes possuem alguns aspectos que têm um caráter insondável.