segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Repetição em um Poema de Carlos Drummond Andrade e em um poema de Ferreira Gullar

Leia o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, do livro “Alguma Poesia”. Observe como ele faz uso da repetição, repetindo a afirmação “No meio do caminho tinha uma pedra” e de como esta repetição dá ênfase e maior expressão àquela.

Os versos iniciais “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho” são um “quiasmo” ou uma “inversão” que quer dizer isto mesmo. Uma repetição com os termos invertidos.

Depois Drummond repete o segundo verso, só que quebrado, constituindo uma “anáfora”, que a repetição de uma mesma expressão no início de dois versos diferentes com uma repetição de seu início, repetindo novamente o verso inicial.

Pouco importa que saibamos os nomes dos diferentes tipos de repetição. O que vale é compreensão do quanto a repetição, seja de forma extamente igual, ipsi literi, ou de forma variada, dá ênfase, expressão, alterando, inclusive o sentido do verso.

Qualquer dúvida, volte à postagem em que realizei uma análise deste poema de Carlos Drummond.

Considere agora o poema “Poema Brasileiro” (do livro “Dentro da Noite Veloz), de Ferreira Gullar. Este é constituído apenas da afirmação “No Piauí de cada 100 crianças que nascem/78 morrem antes de completar 8 anos de idade”.

Esta é repetida até o final do poema, exatamente igual, mas com uma quebra, formando diferentes versos com diferentes números de sílabas, terminando com o verso “antes de completar 8 anos de idade”, quatro vezes.

No caso deste poema, pode-se dizer que partindo de uma afirmação praticamente jornalística, embora impressionante, por meio da repetição e da quebra dos dois versos iniciais, com a formação de outros versos menores, Ferreira Gullar torna-a ainda mais impressionante, chamando atenção à mesma.

Deste modo, uma afirmação jornalística, entre as tantas que lemos todos os dias, que são vistas, até mesmo em função da sua repetição, como “normais”, passa a nos chamar atenção.

O caráter jornalístico é enfatizado tanto pelo tipo de informação que o poema traz quanto pelo fato de os números não serem escritos por exetenso, mas com a simbologia da matemática e da usualmente utilizada nos jornais.

A quebra dos versos inciais, formando outros versos tais como “No Piaíu/de cada 100 crianças/que nascem”, etc, enfatiza cada uma de suas palavras. O verso final, “antes de completar 8 anos de idade”, repetido como é, soa como um eco. Como se o leitor/ouvinte, depois de ler/ouvir a afirmação e o poema como um todo, ficasse com estes soando em sua consciência.

O poema se chama “Poema Brasileiro”, tanto porque Piuaí é um estado do Brasil quanto porque o que ocorre no Piauí ocorre no Brasil como um todo. Devido a isso, pode-se dizer que, neste caso, o Piauí funciona tanto como uma metonímia, na medida toma uma parte (Piauí) para se referir a um todo (Brasil) quanto uma metáfora, considerando Piauí como uma forma de se referir, na verdade, ao Brasil.

Procure poemas que se utilizem da repetição, sob as mais diferentes formas, e observe o quanto o uso desta reperição altera, de alguma forma, aquilo que se repete.

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